terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

MARXISMO, NOVA HISTÓRIA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: CONTRIBUIÇÕES PARA PENSAR QUESTÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

Introdução

Neste início de século, presenciamos a hegemonia da ideologia neoliberal,  caracterizada sobretudo, pela afirmação da ordem “pós-capitalista”, ‘pós-industrial’, ou ‘pós-liberal’. Anuncia-se uma suposta “crise” das ciências sociais e humanas, acompanhada pela decretação da “morte” do marxismo, portanto, da necessidade de buscar sua superação e pelo abandono progressivo da história global, pela valorização  dos estudos “gerais” e pelos recortes temáticos do micro.
O movimento da pós-modernidade vem mostrando uma realidade de fragmentação e segmentação da informação, pelo entrelaçando entre cultura e comunicação, e da valorização das imagens, onde o “novo”, de hoje, torna-se o “velho” de amanhã. Frente a este contexto, novas tendências de investigar e pensar a realidade são anunciadas, por meio de um processo de desideologização do ensino e da pesquisa.
   No campo da história da educação, novas abordagens vêm povoando a cabeça dos pesquisadores, desvendando o real, permitindo uma aproximação  maior da história com a antropologia e da sociologia, e do desapego às grandes narrativas do desenvolvimento histórico e do abandono progressivo na leitura dos autores clássicos.
   Ciro Flamarion Cardoso (1997, p. 16) considera que intelectuais envolvidos com a postura acima descrita retomam uma velha bandeira dos neokantianos: “[...] a noção de que o comportamento humano e seus resultados são essencialmente diferentes dos fenômenos estudados pelas ciências naturais, o que impedirá qualquer aproximação metodológica a estas últimas”.
    No Brasil, alguns grupos procuram fomentar esta discussão  de fundo teórico-metodológico. Podemos citar o HISTEDBR, sediado na UNICAMP, os Grupos de Trabalhos da ANPED e a Sociedade Brasileira de História da Educação, com contribuições importantes na reflexão sobre as questões teórico-metodológicas no campo educacional.
 À luz deste  cenário, tentaremos pontuar algumas questões teórico-historiográficas, partindo do pressuposto de que todo intelectual define-se em relação às lutas e aos projetos sociais em confronto na sociedade em que ele vive. Neste texto partimos das seguintes indagações: Para que serve explicar a história ou o passado? Que importância tem o passado na solução dos problemas atuais? Existe produção descompromissada dos interesses sociais? O marxismo está “morto”? São algumas das indagações que vêm instigando as discussões entre os pesquisadores das ciências humanas e sociais. Não pretendemos responder a todas estas indagações, mas, na condição de professor de História da Educação no Brasil, pretendemos buscar referenciais na historiografia e seus reflexos na contemporaneidade, no sentido de compreender os desafios colocados ao profissional da área. 

Marxismo, Nova História e a Historiografia

 Nas últimas décadas, diversas pesquisas identificam a presença de duas grandes correntes teórico-metodológicas que dominaram as investigações no campo da História e da história da educação: o marxismo e a Nova História. A primeira, fruto da análise do passado, que, segundo seus representantes, só poderia ser feita a partir deste prisma da concepção de classe, visando à busca de uma práxis revolucionária. A segunda, entendida como vasto campo de abordagens, denominada Escola dos Annales[i], sobretudo a partir dos escritos de Lucien Febvre e Marc Bloch. Colocam-se, neste campo, estudos relativos à história cultural, das mentalidades, conhecida também como “história em migalhas”.
         O método de Marx constitui um tema de relevância especial para o desenvolvimento da teoria marxista. Bottomore (1983), no Dicionário do Pensamento Marxista,  considera que o materialismo dialético caracteriza-se como filosofia do marxismo, enquanto o materialismo histórico é definido como a ciência marxista. Marx, ao desenvolver sua concepção materialista da história, enfatizou que o modo pelo qual a produção material de uma sociedade é realizado, constitui o fator determinante da organização política e das representações intelectuais de uma época. Assim, a base material ou econômica constitui a "infra-estrutura" da sociedade exercendo influência direta na superestrutura, ou seja, nas instituições jurídicas, políticas, leis, o Estado e no plano ideológico (artes, religião,  moral).      
        Em A Ideologia Alemã (1846,p. 18) Marx formula sua concepção materialista, estabelecendo relações existentes entre a representações (a ideologia) e as condições materiais da existência ao considerar que o primeiro ato histórico é a produção dos meios que permitam a satisfação das necessidades vitais do homem, ou seja, a produção da própria vida. Neste sentido, os homens são produtores de suas representações, de suas idéias, os homens reais e ativos, tal como se acham condicionados pelo desenvolvimento das forças produtivas e pelo intercâmbio das mesmas até chegar às suas formações mais amplas. Marx explica este processo  com a clássica passagem:
Os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que tem o poder material dominante numa dada sociedade é também a potência dominante ‘espiritual’. A classe que dispõe dos meios de produção material dispõe igualmente dos meios de produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles a quem são recusados os meios de produção intelectual está submetido igualmente à classe dominante. Os pensamentos dominantes são apenas a expressão ideal das relações materiais dominantes concebidas sob a forma de idéias e, portanto, a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante; dizendo de outro modo, são as idéias de seu domínio (MARX & ENGELS, 1980, p. 55).
         No Manifesto do Partido Comunista (1848) é reafirmado o caráter economicista da classe burguesa: “[..]os meios de produção e de troca, sobre cuja base se ergue a burguesia, foram gerados no seio da sociedade feudal”. No prefácio da “Para a Crítica da Economia Política” (1859) temos as “leis mais gerais do materialismo histórico”, quando Marx já acumulava uma série de estudos em torno das idéias da economia política clássica, ao formular os eixos centrais do materialismo histórico reiterando que a base material deve ser o primeiro pressuposto a ser levado em consideração na análise de uma sociedade: “[...]O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral de vida social, político e espiritual.  Não é a consciência que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência”(MARX, p. 136).
        O Método dialético considera que a história deve ser entendida não como um movimento circular, como mera repetição daquilo que ocorreu, mas como um movimento ascendente, que tem um início, um desenvolvimento, um ápice e                                                uma fase de decadência. Este método parte de três premissas básicas: tudo se transforma, tudo se relaciona e a idéia de que as contradições são as forças motrizes da transformação. Neste sentido procura explicar as crises econômicas do capitalismo, onde a propriedade privada  dos meios de  produção entra me contradição com o caráter social do processo  produtivo.
 Nos séculos XVIII e XIX, desenvolveu-se antigo ideário iluminista, isto é, o entendimento de que a razão e as idéias governam o mundo. As idéias e a vontade dos indivíduos eram entendidos como fatores decisivos nas mudanças sociais ao longo da história. O materialismo histórico também exerceu forte influência nas análises e encaminhamentos políticos, com fortes repercussões no século XX, início do século XX. O positivismo, ou positivismo metodológico, também fincou raízes nos estudos historiográficos, a partir de duas vertentes principais: o positivismo propriamente dito, que se baseou em Comte e Stuart Mill, e o evolucionismo darwinista, expressado em Spencer e Buckle[2].
 No século XX, a historiografia ganha uma nova dinâmica,  com a coexistência de diferentes posições metodológicas. A partir da segunda metade do século XX, especialmente a partir de 1968, com o desenvolvimento da chamada terceira geração dos Annales, as utopias revolucionárias de natureza global são, aos poucos, criticadas e abandonadas, passando à valorização e exaltação dos movimentos e lutas parciais de mudança social, como: regionalismo, feminismo, movimento gay, ecologismo, etc.
    Nas últimas três décadas este processo cresceu ainda mais com a diversificação e renovação das referências historiográficas fortalecidas na busca de outros objetos. Foi nesta época que surgiu, na França e nos Estados Unidos,  a História Social das Idéias  ou História Sociocultural, sintetizadas nos estudos de Chartier, na História Cultural, em que personagens e eventos considerados periféricos tornam-se centrais, como: História da Família e Demografia Histórica, História do Cotidiano e da Vida Privada, História das Mulheres, História e Sexualidade, História das Idéias ou da Inteligência, História da Imprensa, História e Etnia, História das Religiões  Religiosidades e outros grupos culturais, tendência que acentuando neste início de novo século.
  A chamada História em Migalhas, fenômeno de parcialização cada vez maior da história e nos estudos dos fenômenos educacionais[3] ampliou-se com o crescimento do marxismo estruturalista, a partir da difusão dos estudos de Foucault e Louis Althusser  nos anos 80 e 90, além da redescoberta  de Bakhtin ns Filosofia da Linguagem. No campo da história das idéias, no Brasil avultam as abordagens denominadas “internalistas”, como História e Lingüística e História e Literatura, que reforçaram esta tendência na busca de pesquisas mais específicas e recortes temáticos.
  Nesta dinâmica, o historiador, de articulador passou a ser um especialista do saber, ao estudar a história de maneira recortada, em que, o passado torna-se algo secundário, eliminando seu caráter contraditório[4]. Como conseqüência, assistimos a um desmonte da história tradicional, para um novo conceito de história, em que o passado é apresentado de maneira independente e desarticulado com o presente. As grandes sínteses e narrativas são abandonadas, dando valor nas descobertas das fontes. Os documentos tornam-se um fetiche, sob a justificativa de que não é possível fazer história sem que o historiador esteja de posse de documentos[5]. 
    Esta abordagem aparece sob a justificativa de um certo descontentamento com a tradição marxista de análise[ii], considerada limitada por esta vertente por não dar conta da complexidade dos elementos históricos, dando início a uma grande largada um busca de arquivos e fontes, até então não pesquisados[6]. Reivindica-se, sobretudo, a diversificação de objetos e valorização dos sujeitos “esquecidos” pela então denominada historiografia tradicional, aproximando a história com a antropologia, ao tentar ver o todo no micro e o  micro no todo. Tal enfoque é considerado pelos seguidores do postulado marxista como  uma opção descompromissada com uma teoria da mudança social, ao despolitizar a pesquisa e o pesquisador, negando uma história educacional problematizadora[7].

O Debate Historiográfico e a História da Educação

         Em consonância com as mudanças nos estudos historiográficos, Eliane Marta Teixeira Lopes e Ana Maria de Oliveira Galvão consideram que a História da Educação vem estabelecendo relações com diversos outros campos da História e apontam outros domínios de estudos sobre a “História da Educação”, como, por exemplo, História do Ensino, História do Livro e da Leitura, História das Crianças e dos Jovens, História das Mulheres-Professoras, História das Instituições, entre outros. Este seria um dos domínios mais tradicionais da História da Educação, campo que tem procurado incorporar as reflexões historiográficas contemporâneas, alargando as fontes e lançando novos olhares para estes mesmos objetos e estas mesmas fontes.
           Nos anos de 1970 e 1980, influenciados pelo pensamento marxista, os historiadores  da educação formularam, a partir de Dermeval Saviani, uma história da escola de cunho político e institucional procedimento que trazia como pressuposto a inexistência da autonomia da instituição escolar. Tais análises eram marcadas por um caráter ideológico e um convite à militância do profissional da educação, porém, nos últimos anos  assistimos ao crescimento cada vez maior nos estudos das práticas escolares cotidianas:

Os historiadores têm considerado que é preciso também  tentar penetrar no dia-a-dia da escola de outros tempos – os métodos de ensino,  os materiais didáticos utilizados, as relações professor (a) aluno (a) e aluno (a)  aluno (a), os conteúdos ensinados, os sistemas de avaliações e de punições... Em muitos casos, essas pesquisas têm mostrado que a prática escolar  é aquilo que menos sofre mudanças na História da Educação. Apesar das reformas propostas, dos pensamentos inovadores e das feições específicas que assume em cada sociedade e época em que se inscreve, a prática  escolar materializa alguns papéis que há muito têm sido previstos para sua ação e que ainda hoje persistem com força em seu funcionamento diário. (LOPES e GALVÃO, 2001, p. 52).

         A História das  Crianças e dos Jovens, amparada em fontes iconográficas, considera que, a partir do século XVI, com o fortalecimento da burguesia, a criança passava a ser representada de forma diferenciada, não mais como um adulto, ao a ser tratada como um ser com identidade própria, com espaços planejados para a sua ação escolar. Nestes estudos as fontes mais utilizadas são obras literárias, correspondências, etc.
          A “nova” historiografia educacional apareceu de forma gradativa, ficando claramente delineada a partir de meados da década de 1990.  A busca dos “novos” emergiu com o aumento e ampliação da pesquisa educacional no Brasil, como resultado dos cursos de pós-graduação em educação, ao assumirem diferentes concepções teórico-metodológicas com a coexistência de diferentes concepções teórico-metodológicas, detectada na pesquisa realizada por Gamboa (1987)[iii].
  Warde(1991) apresentou alguns indicadores de uma pesquisa que estava realizando com 3809 títulos, sendo que 803 continham alguma referência histórica à educação brasileira. Uma parcela considerável desses trabalhos tinha referências históricas à educação brasileira, em geral “através de fontes secundárias”. Lombardi, por sua vez, considera que a construção de uma nova história da educação brasileira e a abertura de várias possibilidades quanto ao fazer científico do historiador podem ser observadas, em especial, nos artigos de Lopes (1990), Louro (1990) e Nunes (1990). Esta discussão apontava para a existência de uma crise nos paradigmas teórico-metodológicos da ciência moderna, expressada pelo fim  da razão moderna e pela desqualificação do pensamento historiográfico, ao mesmo tempo em que começa a desenvolver o crescimento de trabalhos que passam a valorizar a subjetividade, o sentimento, o prazer, o sexo, o imaginário, o fragmentário, o microscópico, o cotidiano, o singular, o efêmero... 
Lombardi argumenta que estas questões não são próprias e exclusivas dessa nova historiografia educacional, por serem problemas que têm suas raízes nas teorias da História, que fazem um questionamento tanto do chamado “mundo moderno”, quanto das concepções que reivindicam a racionalidade ou a chamada “razão moderna”.  Para essas teorias, a História (e também as Ciências Humana e as Sociais em geral) vive uma profunda crise metodológica e teórica, uma verdadeira crise de paradigma. Michel Zaidan Filho, ao analisar esse “repensar” da história, identifica:  

[...] que os críticos da modernidade, os ‘pós-modernos’, elegeram, em troca da racionalidade moderna e seus grandes temas (o progresso, a ciência, a revolução, a felicidade, a verdade etc.), a valorização do particular, do fragmentário, do efêmero, do microscópioco, do sensual, do corpóreo, do prazer, etc. A ‘pós-modernidade’ rejeita decididamente a predileção pelas grandes sínteses, pelo conhecimento das causas primeiras, pela busca do sentido da História.  (ZAIDAM FILHO, 1989, p. 16).

            Zaidan, refere-se a nova historiografia brasileira podendo ser caracterizada a partir de quatro matrizes: 1) vinculada ao pensamento de Michel Foucault - estudos microscópicos e fragmentários. (loucos, homessexuais, prostitutas, leprosos...).; 2) a moda da “nouvelle histoire”... com sua pluralidade de métodos, pluralidade de objetos... fascínio pelo brilho dos temas não usuais, heterodoxos”.(sexo, prazer, moda, cheiro, sonho, feitiçaria...); 3) vinculada ao pensamento de Walter Benjamin – inspirou “desde os estudos e ensaios consagrados à literatura e meios de comunicação de massas, até as revisões da história política e sindical do país” (ZAIDAM FILHO, 1989, p. 25).  Essas novas abordagens identificam e qualificam a existência de uma “crise do marxismo” e a necessidade de sua superação por uma “nova” teorização do social.  A crise do marxismo é assim caracterizada por  Zaidan Filho:

[...] se o pensamento de Marx se acha irrecusavelmente comprometido com o vetor emancipatório da razão... é inegável que ele participa também, em alguns momentos, da sorte da razão positiva. Afinal, ele também procurou se definir como uma ciência da História, em busca da lei dos fenômenos, tendo em vista a transformação da sociedade. Não se pode esquecer que o ‘marxismo’ foi o elemento-motor de grandes movimentos de transformação social. (Idem, p. 15-16)

Miriam Jorge Warde em Anotações para uma historiografia da educação brasileira, (1984), faz um balanço da produção historiográfica sobre a História da Educação Brasileira entre 1970 e 1984, no total de 155 títulos, período em que foram criados diversos programas de pós-graduação na área de Educação. Segundo resultados de suas análises:

Há uma tendência em voltar a 1930 para explicar 1964 e de passagem explicar 1945. E sobre o que falam esses estudos? Com poucas exceções, falam da organização escolar, da legislação do ensino e da “ disparidade” entre uma e outra. Em relação à Colônia, abordam o caráter elitista da educação jesuítica e depois as modificações introduzidas na educação anterior. Quanto ao Império, falam da desconsideração pelo ensino elementar (e o Ato Adicional de 1834 aparece como a grande prova do descaso) e da lamentável inexistência de uma universidade nos moldes daquelas que as sociedades mais esclarecidas haviam criado. Chegando à Etapa Republicana, dois períodos de maior interesse têm levado a considerações bastante comuns. Na Primeira República e nos anos entre 1930 e 1937, as grandes personagens que emergem  na história são os renovadores  do ensino e contra eles os católicos conservadores; na interlocução de ambos, o Estado. De 1937 a 1945, o Estado é a personagem  que toma toda a cena e não se esgotam os estudos sobre as Leis Orgânicas (WARDE,1984, p. 2).

    A autora faz uma avaliação crítica das tendências da historiografia educacional brasileira, delineadas em quatro principais tendências. A primeira, caracterizada pelo exame do pensamento de intelectuais de maior ou menor envergadura no campo da educação, restringe-se ao exame interno ao pensamento do autor escolhido, sem qualquer ou pouca referência à relação concreta entre esse pensamento e as condições nas quais ele foi criado. A segunda, com a mesma temática anterior, segue a direção da contextualização político-ideológica do pensamento em exame. A terceira tendência caracteriza-se pelo acompanhamento evolutivo da educação escolar nos seus diferentes graus e ramos, dispensando qualquer referência às determinações concretas que pesam sobre a educação. A quarta tendência envereda pelo caminho teórico e metodológico do trato concreto do movimento histórico da educação. Sobre uma possível quinta tendência, Warde encontrou quatro trabalhos que se dedicam, na totalidade ou em grande parte, à discussão dos caminhos teóricos e metodológicos da historiografia da educação brasileira e abrem novas possibilidades[iv].
    Lopes Louro inseriu-se no debate da historiografia educacional através da valorização de novos objetos, problemas e métodos[v]. Ao abordar as concepções de História e Historiografia, a autora expõe o positivismo, o marxismo, os Annales e as tendências mais recentes.  Sobre as tendências mais recentes da historiografia,  observa que a História Nova seria uma continuidade da linha de inovação dos Annales, cuja novidade está nos novos problemas, novas contribuições e novos objetos. Segundo a autora, Thompson se inclui nas tendências recentes, que: “[...] rompem com os estreitos limites do determinismo econômico, mostrando que não existe desenvolvimento econômico se este não for, ao mesmo tempo, desenvolvimento e mudança cultural” (Idem, p. 29).
   Para a autora, a História da Educação tornou-se mais uma, entre as muitas fragmentações no campo da História, observando que a História da Educação não se consolidou como uma especialização da História, pois teve na sua gênese e desenvolvimento, a dependência de uma ciência auxiliar da educação e da história. A autora considera então, algumas dificuldades enfrentadas pelos historiadores da educação  relacionadas às fontes e à documentação, ainda escassas e malconservadas, e enveredar na questão da periodização da História da Educação, confundindo aspectos do político, do econômico, e do pedagógico, dificuldades de  estabelecer analogias entre o passado longínquo e o que se passa em nossos dias.

A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO E OS DESAFIOS NO ESTUDO DO PASSADO

           
            As diversas escolas históricas se diferenciam na noção do tempo histórico que cada uma delas apresenta. O olhar do historiador é estruturado por uma representação do tempo histórico, logo, o conhecimento histórico só é influenciado por uma concepção de tempo histórico.
     Tal perspectiva possui forte influência na interpretação do passado, assim como apresenta o caminho a ser trilhado no futuro. O historiador, ao ignorar os fundamentos teórico-metodológicos que possibilitem ao historiador entender a totalidade, significa ocultar a essência do passado, como nos alerta Kosik (1986, p. 51) “[...] a totalidade sem contradições é vazia  e inerte, as contradições fora da totalidade são formais e arbitrárias”.
              Segundo Kosik (1986), visitar as fontes tem sentido na medida em que visa destruir no cotidiano a pseudoconcreticidade, desvendando a essência de sua aparência. Para  além disso,  o contato, a análise e a crítica das fontes e o exame dos arquivos significa uma crítica da civilização e da cultura. O estudo do cotidiano ou da totalidade deve desvendar por trás de sua aparente neutralidade, a autêntica realidade do homem concreto. O estudo do cotidiano desvinculado da história é uma mistificação, da mesma forma que estudar a totalidade ausente de um rigor dialético fica reduzido a uma especulação vazia, sem sentido. A investigação do fenômeno deve realizar a passagem do pensamento mítico (o aparente)  para o pensamento dialético (a essência). O esforço filosófico, desvalorizado pelas abordagens pós-modernas,  consiste neste desafio.
                   José Carlos Reis, referindo-se à Escola dos Annales, considera que esta  se constitui uma renovação teórico-metodológica em história partindo de uma nova representação do tempo histórico. Não foi propriamente a interdisciplinaridade que acarretou esta renovação, mas a nova representação do tempo, com uma aproximação das ciências sociais. O que haveria de comum entre todas as gerações dos Annales seria a perspectiva da longa duração. A renovação dos objetos exigiu a mudança no conceito de fonte histórica, em que a documentação passou a ser relativa ao campo econômico, social e mental. O arquivo renovou-se e diversificou-se, a partir de uma ampliação e abertura do campo dos objetos, das fontes e técnicas históricas, enfatizando a documentação e não a problematização  da pesquisa:

O historiador escolhe, seleciona, interroga, conceitua, analisa, sintetiza, conclui. A partir da posição do problema, o historiador distribui as suas fontes, atribui-lhes sentido e organiza as séries de dados que ele terá construído. O texto histórico é o resultado de uma explícita  construção teórica e não o resultado de uma narração objetivista de um processo exterior organizado em si pelo final. A organização da pesquisa é feita pelo problema que a suscitou; este vai guiar na seleção dos documentos, na seleção e construção das séries de eventos relevantes para a construção de hipóteses. Rompendo com a narração, a história tornou-se uma empresa teórica, que segue o caminho de toda ciência: põe problemas e levanta hipóteses e demonstra-as com uma documentação bem criticada e com uma argumentação conceitual rigorosa. (REIS, 2000, p. 30)
  
             Flamarion Cardoso (1997), por sua vez, aponta para a necessidade de conhecermos os grandes pensadores da modernidade para então compreendermos o tempo presente. Todavia considera que o resultado da pesquisa está relacionado ao preparo do pesquisador, considerando que o êxito e a qualidade da pesquisa estão diretamente relacionados com a bagagem cultural do pesquisador. Adam Schaff (1995), em História e Verdade, considera que o historiador sai em busca de entender a história movido por basicamente por duas concepções tipológicas a saber: em função das  necessidades, geralmente variáveis, do presente,  bem como em função dos efeitos dos acontecimentos do passado, sobre o presente.[vi]
Lopes Louro, por sua vez, defende a valorização das fontes não escritas pelos movimentos mais recentes da historiografia (Nova História, História das Mentalidades, História do Privado e História das Mulheres),  entendendo a história oral como perspectiva importante para a pesquisa de sujeitos ou temas para os quais não há outro acesso, bem como para responder a novas perguntas sobre antigos temas, provocar novos temas, abrir novas perspectivas de análise. A posição de Louro é de vincular essa abordagem à de gênero, à história das mulheres.
Elaine Marta Teixeira Lopes (1990) em Uma Contribuição da História para uma História da Educação faz opção por uma História das Mentalidades, abrindo possibilidades para o estudo de "novos problemas", "novas contribuições" e "novos objetos" que põem em causa a história, ao mesmo tempo em que a enriquecem e a transformam (LOMBARDI, 2000). Para a autora, as mentalidades são aquilo que mais lentamente muda em qualquer sociedade, tornando portanto, impossível falar em educação, sem mencionar os aspectos das mentalidades.
  Na perspectiva da História das mentalidades, o historiador da educação precisa ter disposição para incorporar novos objetos, recorrer a fontes menos ortodoxas, incorporar outros saberes aos da história e articular-se com pesquisadores de outras áreas, como antropologia, psicanálise, análise do discurso, literatura. Entendendo que até hoje a história tem sido o registro do vencedor, apresenta o desafio de se buscar a história dos vencidos - através da qual o historiador aprenderá que a história poderia ser diferente do que foi, que há no histórico "outros possíveis" que não se realizaram (LOMBARDI, 1993, p. 106-109).
            Nesse trabalho de escrever a história, o historiador “trabalha na elaboração de um espaço intelectual”: a ele “cabe menos transmitir informações que filtrá-las e ordená-las” (Idem, p. 113). José Claudinei Lombardi (1993), em sua tese, expõe os principais debates travados pela historiografia educacional brasileira, a partir de algumas questões gerais quanto à penetração do pensamento pós-moderno, situa o momento e o contexto do aparecimento da “nova” historiografia educacional e elenca as principais questões teórico-metodológicas que essa nova abordagem faz quanto à produção científica do historiador.
           
Considerações finais

         Pensar a pesquisa em história da educação consiste em discutir, acima de tudo, o conceito de educação, levando em consideração os contextos educativos complexos tanto formais como informais. Considerar as várias possibilidades de fontes de pesquisa e de fontes disponíveis para a pesquisa histórica, deve ser uma postura sempre atenta do pesquisador, ao entender o tempo passado e o tempo presente. O debate e a produção  acadêmica, para além de identificar uma crise e com ela o fim dessa utopia e a morte do marxismo, deve caminhar para novas formulações e para a produção de novos conhecimentos que problematizem tentativas teórico-metodológicas, que prometem dar respostas definitivas aos problemas da historiografia educacional. A valorização dos clássicos e a busca do fazer científico devem estar no horizonte do pesquisador. A abordagem de novos problemas e a busca de novas fontes devem ser constantes no ofício do historiador, porém não deve ser exercício de meras subjetividades e solução de curiosidades individuais. 
          O processo de pesquisa deve colocar o pesquisador sempre em situação de incertezas, devendo ficar atento ao rigor dos conceitos teóricos e à procura de respostas para a problemática por ele formulada. Entender a complexidade do real, significa levar em consideração as dúvidas, incertezas e erros que aparecem pelo caminho, sobretudo em relação às questões teórico-metodológicas e aos objetos investigados, em uma sociedade cada vez mais diversa e pluralista. Parece ser este o desafio atual daqueles que se enveredem pelo historiografia educacional
    Concordando com as palavras de Fontana (2004, p. 18), é preciso um projeto de construção de “uma história de todos”, que utilize as “armas da razão” para “combater os preconceitos da irracionalidade” que se apresenta no discurso histórico, que serve, em última instância, como legitimador da ordem social injusta que se apresenta.Finalmente entendemos que a história do passado deve expressar uma denúncia contra a historiografia descomprometida com as lutas sociais do nosso tempo, em que visões de totalidade ou da chamada história em migalhas não se devem constituír, em instrumentos de mero exercício mecânico para explicar ou justificar o presente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

BOTTOMORE, T. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.
BURKE, Peter. A escola dos Annales: 1929-1989: A revolução francesa da historiografia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997.
CARDOSO, Ciro Flamarion. História e Paradigmas Rivais. In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo (orgs.) Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. 5ª ed.  Rio de Janeiro: Campus, 1997.
CARDOSO, Ciro Flamarion. Uma introdução à história.  7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988.
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
EVANGELISTA, João E. Crise do marxismo e irracionalismo pós-moderno. São Paulo:  Cortez, 1992.
FONTANA, Josep.  História depois do fim  da história. Bauru, SP: EDUSC, 1998.                                       
___________________História: análise do passado e projeto social. Bauru, SP: EDUSC, 1998.
FONSECA, Thais Nívia de Lima e. História e Historiografia da Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
LOMBARDI, José Claudinei. Marxismo e história da educação: algumas reflexões sobre a historiografia educacional brasileira recente. Campinas: UNICAMP, 1993 (Tese de Doutoramento).
LOMBARDI, José Claudinei. Historiografia Educacional Brasileira  e os Fundamentos Teórico-Metodológicos da História. In: ______________ (Org.) Pesquisa em educação: história, filosofia e temas transversais. 2ª ed. Campinas, S.P.: Autores Associados, 2000.
LOPES, Eliane Marta Teixeira. Perspectivas  históricas  da educação. São Paulo : Ática, 1986.
_________________________ Uma contribuição da história para uma história da educação. Em Aberto, Brasília : INEP, Vol. 9, no. 47, julho/setembro 1990, p. 29-35.
 LOPES, Eliana Marta e GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. História da educação. de Janeiro: DP&A, 2001.
LOURO, Guacira Lopes. A História (oral) da educação: algumas reflexões. Em Aberto. Brasília : INEP, Vol. 9, no. 47, julho/setembro 1990, p. 21-28.
MARX & ENGELS. A ideologia alemã. V I  e II.  Trad. Conceição Jardim e Eduardo Lúcio Nogueira. Editorial Presença/Lisboa; Martins Fontes / RJ, 1980.
OLIVEIRA, Roberto Cardoso DE. A categoria de (des)ordem e a pós-modernidade da antropologia. In: OLIVEIRA, R. C. de et al. Pós-modernidade. 3ª ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1990
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Esta história que chamam micro. In: GUAZZELLI, César Augusto Barcellos (org.). Questões de teoria e metodologia da história. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000.
REIS, José Carlos. Da “história global” à “história em migalhas”: o que se perde, o que se ganha. In: GUAZZELLI, César Augusto Barcellos. (org.) Questões de teoria e metodologia da história. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000.
REIS, José Carlos. Escola dos Annales: a inovação em história. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
 SAVIANI,  Demerval, LOMBARDI, José Claudinei e SANFELICE, José Luís (orgs.). História e história da educação – o debate teórico-metodológico atual. ª. Ed,.Campinas, SP: Autores Associados/ HISTEDBR, 2000
SCHAF, Adam. História e verdade. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
VIEIRA, Evaldo. Por uma História da Educação que esteja presente no trabalho educativo. Educação & Sociedade. São Paulo: Cortez/CEDES, nº 12, setembro de 1982, p. 110-112.
WARDE, Miriam. Questões teóricas e de Método: a História da Educação nos marcos de uma História das Disciplinas. In: SAVIANI, D.; LOMBARDI, J.; SANFELICE, J. (Org.) História e História da Educação. O debate teórico-metodológico atual. São Paulo: Autores Associados, 1998. p.88-99.
______ . Contribuições da História para a Educação. Em Aberto. Brasília, v.9, nº47, p.3-11, jul/set. 1990.
______ . Anotações para uma Historiografia da Educação Brasileira. Em Aberto. Brasília, ano 3, n.23, p.1-6, set/out. 1984.
ZAIDAN FILHO, M.  A crise da razão histórica. Campinas, SP: Papirus, 1989.


[1]Mestre em Educação/UEM. Doutorando em História e Filosofia da Educação/UNICAMP. Membro do Grupo de pesquisa HISTEDBR, GT-Cascavel. Professor do Colegiado de Pedagogia, UNIOESTE, Cascavel,Pr. Endereço: Rua Romário Martins, 654, Bairro Pioneiros Catarinenses CEP: 85805-410. Fone: (45) 3326-8853-  E-mail: jcsilva@unioeste.br.


[2] CARDOSO, Ciro Flamarion. História e Paradigmas Rivais. In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo (orgs.) Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. 5ª  ed.  Rio de Janeiro, p. 98.
[3] Idem, p. 113.
[4] REIS, José Carlos. Da “história global” à “história em migalhas”: o que se perde o que se ganha. In: GUAZZELLI, César Augusto Barcellos. (org.) Questões de teoria e metodologia da história, p. 188
[5] CARDOSO, Ciro Flamarion. Uma introdução à história.  7. ed. São Paulo: Brasiliense, p. 51.
[6] PESAVENTO, Sandra Jatahy. Esta história que chamam micro, p. 213.
[7] FONTANA, Josep. História: análise do passado e projeto social, p. 210-211.


[i]Notas

 Cf. BURKE, Peter. A escola dos Annales: 1929-1989: A revolução francesa da historiografia, P. 23.
 Idem , p. 63.
 sobre os trabalhos produzidos pela pós-graduação no Estado de São Paulo, no período de 1971-1984. Os trabalhos foram analisados por áreas de concentração, pelos temas tratados, quanto ao nível educacional estudado, conforme as técnicas de pesquisa adotadas e segundo as abordagens metodológicas utilizadas. Na análise das diferentes tendências epistemológicas, Gamboa observa que: a) as abordagens empírico-analíticas tiveram presença marcante, sendo as mais utilizadas nas pesquisas desenvolvidas nos cursos de pós-graduação. b) as outras duas abordagens (fenomenológico-hermeneutica e crítico-dialética) constituíram-se em alternativas à relativa hegemonia da pesquisa analítica e conquistaram progressivo espaço nos centros de pesquisa. c) a abordagem crítico-dialética se consolidou com alternativa de pesquisa em educação no período de 1981 a 1984. (LOMBARDI, 1993, p. 122-124).
 Warde  destaca algumas cristalizações presentes no pensamento educacional e na historiografia da educação brasileira e que precisam ser evitadas: 1) a idéia da dependência aos modelos educacionais (também teórico-metodológicos) estrangeiros e que servem para explicar “todas as mazelas e problemas não resolvidos”; 2) a idéia, fortemente arraigada no pensamento pedagógico brasileiro, de que nunca tivemos uma autêntica universidade no Brasil; 3) a limitação dos estudos históricos produzidos e que decorrem, por um lado, do fato de se colocar o Estado como “a grande personagem do palco educacional” e, por outro, pela historiografia da educação se “impor como objeto necessário” a organização escolar, a legislação escolar e tudo o que circunda a escola  (LOMBARDI, 1993, p. 73-77).

[v] A partir do inventário feito sobre Educação e História da Educação, destaca três aspectos: 1) um caráter evolucionista ou etapista, através do qual a História da Educação é tomada como “uma série de etapas que se sucedem, num desenrolar temporal único” (LOPES, 1986, p. 13) a quase total ausência da história: a relação educação-sociedade é pouco trabalhada, privilegiando-se “a independência  das práticas educativas e do pensamento pedagógico em relação ao conjunto das práticas sociais, econômicas e políticas”; 3) a História apresentada é globalizadora e uniformizante. Tratada “como uma grande marcha contínua em direção ao progresso” (Idem).

[vi] Cf. Schaff, A . História e verdade, p. 270.

2 comentários:

  1. Olá Professor João Carlos!
    Parabéns pelo Blog e pelas discussões no campo da história da educação que você provoca, é de grande valia para nós professores, de modo que nos ilumina mais concretamento às lutas.
    Abraços,
    Sandra Tonidandel.

    ResponderExcluir
  2. prezada sandra:

    agradeço pelas suas palavras e pelo apoio neste trabalho, voce tem sido muito importante nesta tarefa pela sua criação, gentileza e atenção dispensada.
    um abraço

    JC

    ResponderExcluir