HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: O TEMA DA ESCOLA PÚBLICA NO MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA



Introdução

Em tempos de crise global o debate historiográfico educacional tem levado pesquisadores da área a buscarem no passado elementos para entender as mazelas da educação brasileira. Neste sentido, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que ao completar 77 anos, tem sido documento citado de maneira recorrente nas discussões sendo colocado como parâmetro para analisar o atual contexto educacional, como se tivéssemos deixado no passado às soluções e os caminhos ideais para a superação da crise que se abate sobre a escola pública. Em um breve levantamento pelo sistema de busca acadêmico encontramos aproximadamente 15.300 referencias sobre o Manifesto, uma pista para entender que os pioneiros da educação nova continuam presentes em nossa memória educacional na compreensão dos problemas sociais, sobretudo a escola pública.
Este documento certamente que representou um marco na educação brasileira ao eleger a escola publica, laica, gratuita como responsabilidade do Estado, servindo muitas vezes de modelo a ser seguindo pelas ações educativas, abrindo uma nova na história das idéias pedagógicas no Brasil. Não se trata de reivindicar a atualidade do documento, mas entendê-lo no seu tempo, ainda que muitos dos desafios atuais apresentem características muito próximas daqueles enfrentadas na época, ao relacionar o tema da escola pública ao campo das demandas sociais. Os signatários do Manifesto deram o início de uma longa trajetória de luta ao lançar as bases de um projeto acerca da valorização da escola pública na construção do Brasil moderno, reafirmando aquilo que já se configurava desde o início da República, ou seja, uma forte oposição à chamada escola tradicional.
Conhecido como primeira manifestação pública de educadores e intelectuais brasileiros oriundos de diferentes áreas, subsidiou e inspirou o debate sobre a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, na formulação de capítulos sobre a Educação nas Constituições futuras, como na organização daquilo que conhecemos como Sistema Nacional de Ensino no sentido da universalização da escola fundamental. Foi documento importante no sentido de colocar a educação, em particular escola pública, como instrumento de democratização da sociedade brasileira.
A forma atual da escola é fruto da sua constituição histórica, no final do século XIX, no bojo da revolução industrial. Apesar da importância que a escola exerce no meio onde atua, ainda assim, ela tem seus limites de ação, sobretudo em uma sociedade fundada na divisão das classes sociais, sujeito às relações de poder.
Compreender esses acontecimentos requer um esforço de reflexão mais atento sobre o processo de desenvolvimento da sociedade da mercadoria. Nosso propósito visa discutir o Manifesto de 1932 em consonância com as transformações sociais no período.
Este artigo visa compreender o tema da escola pública no texto escrito por Fernando de Azevedo (1894-1974), momento em que a educação é colocada como elemento decisivo no processo de desenvolvimento social no Brasil, como o autor e seus signatários afirmam logo nas primeiras linhas. Pretendemos a partir desses elementos oferecer algumas contribuições ao trabalho de pesquisa sobre a história da educação brasileira desenvolvido no âmbito grupo de pesquisa HISTEDBR-GT Cascavel.

A educação na Primeira República
Os estudos historiográficos acerca da Primeira República identificam-na como um período de instabilidade econômica, política e social caracterizada por uma sociedade agrária, de base escravocrata, a partir de um sistema de dominação do latifúndio, controlada pelos “donos do poder”, marcada também pelo início do processo de organização da vida urbano-industrial Basbaun (1957), Carone (1970), Faoro (1975), Fausto (1982), Hollanda (1982). Por outro lado, este período caracterizou-se como instante de debate e disputa em torno de um projeto educacional para o Brasil, Xavier (1990), Ribeiro (1995). Assumindo posições filiadas aos princípios da Escola Nova, o Manifesto é marcado por contradições, sendo seu texto caracterizado como sendo eclético e heterogêneo (SAVIANI, 2007, p. 251). Neste embate, apresentam alternativas teóricas e práticas para a solução aos problemas nacionais, entre eles o analfabetismo e a necessidade da expansão e melhoria da educação escolar.
A questão da escolarização era um fator de importância para as oligarquias que estiveram no poder durante a Primeira República, mas os trabalhadores também passaram a reivindicar uma educação escolar que estivesse acompanhada de transformações materiais, distribuição de riquezas, justiça e igualdade.
Com a abolição do trabalho escravo, configura-se um contexto propício ao surgimento de organizações operárias de diferentes tipos que assumiram instrução popular e fomentaram o surgimento de escolas operárias e de bibliotecas populares. Muitos não chegaram a explicitar mais claramente a concepção pedagógica que deveria orientar os procedimentos de ensino.
Desde a instauração da República no Brasil (1889), sucessivos governos colocaram a educação como fator primordial para o desenvolvimento social e econômico, entendendo quer a solução dos problemas educacionais passava pela educação. A passagem do Império para a República representou, no âmbito da educação, uma nova orientação pedagógica, indicando o enfraquecimento da pedagogia jesuítica, emergindo uma proposta educacional nutrida na concepção da economia livre.
A pedagogia republicana que repousava sobre uma ordem social, fundamentada numa sociedade aberta, livre e democrática, atribuiu à educação o papel de agente da reforma social mediante a edificação do Estado liberal, característico daqueles formulado no século XVIII, na Europa. O liberalismo era apresentado pelas forças republicanas como o valor mais sagrado, superior inclusive à educação.
No Brasil, os ideais republicanos nasceram inspirados nas idéias positivistas de educação, marcadas pela crença sistemática nas políticas educacionais como mola propulsora para o progresso. A educação estava sempre presente nos discursos políticos, sendo sempre apontada como a chave para atingir o pleno desenvolvimento. A rigor, desde 1870, a liberdade, a laicização, a expansão do ensino e a educação para todos eram bandeiras levantadas pela burguesia nascente no Brasil.
BASTOS (1975), assim expressava este momento histórico:

Depois que a democracia apoderou-se do governo dos Estados, o ensino oficial revelou toda a sua eficácia (...) Em verdade, não pode deixar de ser obrigatório o ensino onde existe escola: nada mais justo que coagir, por meio de penas adequadas, os pais e tutores negligentes, e, sobretudo os que se obstinem em afastar os filhos e pupilos dos templos da infância (BASTOS, p150).
O espírito nacionalista-desenvolvimentista tomava conta do pensamento, da intelectualidade brasileira, que confiava na instauração da democracia republicana como princípio norteador da modernização. Os agentes sociais da época viam a industrialização, sobretudo contra o passado imperial que deixara como herança um grande contingente de analfabetos, considerados entraves para o progresso, produzindo um sentimento de euforia, expectativa e otimismo pela educação. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932, é fruto deste momento .
Este período caracterizou-se pelo predomínio das idéias liberais, em consonância com o processo de expansão do capital industrial e da luta interna pela unidade nacional em favor do progresso e do desenvolvimento.
O surto industrial nas primeiras décadas deste século aproximava cada vez mais o Brasil das potências emergentes, especialmente Inglaterra e Estados Unidos da América, importando desses países formas avançadas de produção e concomitantemente condicionando as políticas educacionais internas, como por exemplo, a implantação de cursos técnico-profissionalizantes visando atender a demanda produzida pela indústria e o comércio. A modernização da sociedade brasileira era uma exigência de fato, fruto do estágio atingido no processo de mudança da base da sociedade exportadora brasileira, que de rural-agrícola passava para urbano-comercial. Significou a necessária adaptação entre regiões hegemônicas e periféricas que integravam o sistema capitalista na fase industrial ou concorrencial.
Com o advento da República, a hegemonia da burguesia do café se estende do nível estadual ao nível nacional, através de um breve processo de lutas onde os opositores se concentraram, sobretudo no estrato militar. Mesmo em meio a essas lutas, de alcance limitado, os grandes Estados impuseram na Constituição de 1891 os princípios que assegurariam esta hegemonia (FAUSTO, 1982, p. 200).
Na última década da Primeira República, continuavam precárias as condições de funcionamento e de atendimento do ensino primário nos Estados. As reformas educacionais, não contribuíam para uma política duradoura de melhoria e ampliação do atendimento. Neste cenário favoreciam a descontinuidade e a instabilidade do setor educacional, em que pese essa questão quase não ter sido colocada enquanto obstáculo a uma política consistente de ampliação e melhoria do ensino; ao contrário, as carências das escolas públicas sempre serviriam de justificativas para as novas iniciativas, propostas e ajustes.
Após a Revolução de 1930, surgem os problemas próprios de uma sociedade moderna, industrializada, entre elas, o da instrução pública popular. A partir desse período é criado o Ministério da Educação e Saúde e a educação começava a ser reconhecida, inclusive no plano institucional, fez da escola pública uma questão nacional.

O Manifesto e a educação nacional
O problema da educação nacional, aos olhares dos escolanovistas, estava na herança educacional advinda do Império, baseada no ensino clássico, estritamente literário, estranha a realidade brasileira, cujas conseqüências atingiam do jardim de infância, passando pela educação popular e atingindo ao ensino superior, e que, portanto deveriam passar por reforma em suas bases científicas.
Ao ressaltarem a necessidade de empreender profundas reformas escolares, os positivistas defendiam a busca de novos meios de aprendizagem e de comportamentos de acordo com os padrões sociais da sociedade capitalista. A idéia de uma cultura escolar nacional no contexto republicano pressupunha a organização de um espaço separado da casa e da rua. Neste sentido buscava-se cada vez mais a parcelarização e especialização do trabalho pedagógico colocar no horizonte republicano a perspectiva de uma escola de massas no contexto urbano capitalista emergente:
A educação nova, alargando a sua finalidade para além dos limites das classes, assume, com uma feição mais humana, a sua verdadeira função social, preparando-se para formar "a hierarquia democrática" pela "hierarquia das capacidades", recrutadas em todos os grupos sociais, a que se abrem as mesmas oportunidades de educação (AZEVEDO, 1958).

O aparecimento das primeiras máquinas na industrialização ainda que rudimentar no Brasil, na República recém-instalada, indicava que a passagem pela escola devia ser um ritual em que os cuidados com o corpo, a disciplina e a higiene deveriam ser os componentes fundamentais no processo de criação de uma nova cultura escolar, então inexistente .
A República, acompanhada da crença da necessidade de remodelação da ordem social, política e econômica, e da convicção de que a educação seria o mais forte instrumento para a consolidação do regime republicano e para a construção de um país moderno, prometia ao povo as condições de sua inserção no regime democrático representativo. As discussões em torno dos processos teóricos e práticos para a consolidação das instituições republicanas logo se fizeram sentir, cabendo aos Estados federados, criar os mecanismos jurídico-institucionais necessários à nova ordem e colocá-los em funcionamento.
A reforma defendida pelos pioneiros deveria ser reforma integral envolvendo aspectos da organização, dos métodos de toda a educação nacional, dentro do mesmo espírito que substituiria o conceito estático do ensino por um conceito dinâmico, desde os jardins de infância à Universidade:

A partir da escola infantil (4 a 6 anos) à Universidade, com escala pela educação primária (7 a 12) e pela secundária (l2 a 18 anos), a "continuação ininterrupta de esforços criadores" deve levar à formação da personalidade integral do aluno e ao desenvolvimento de sua faculdade produtora e de seu poder criador, pela aplicação, na escola, para a aquisição ativa de conhecimentos, dos mesmos métodos (observação, pesquisa, e experiência), que segue o espírito maduro, nas investigações científicas. A escola secundária, unificada para se evitar o divórcio entre os trabalhadores manuais e intelectuais, terá uma sólida base comum de cultura geral (3 anos), para a posterior bifurcação (dos 15 aos 18), em seção de preponderância intelectual (com os 3 ciclos de humanidades modernas; ciências físicas e matemáticas; e ciências químicas e biológicas), e em seção de preferência manual, ramificada por sua vez, em ciclos, escolas ou cursos destinados à preparação às atividades profissionais, decorrentes da extração de matérias primas (escolas agrícolas, de mineração e de pesca) da elaboração das matérias primas (industriais e profissionais) e da distribuição dos produtos elaborados (transportes, comunicações e comércio (Idem).

A educação das massas populares, considerada pelos pioneiros o problema fundamental das democracias modernas, era entendida como o ensino voltado a população livre (em sua maioria formada por crianças pobres) que não estava incorporada à sociedade. A função da educação foi, então, colocada em discussão, pois instruir as massas não significava democratizar o acesso a todo o conhecimento acumulado pela humanidade, mas assumir uma tarefa específica, voltada para a educação moral e prática da criança a ser desenvolvida no lar. O papel da escola na vida e a sua função social consistiam em oferecer os progressos da psicologia aplicada à criança, os estudos sociológicos, definindo a posição da escola em face da vida.
Os pioneiros defendiam que os melhores e os mais capazes, por seleção, devem formar o vértice de uma pirâmide de base imensa, cuja formação deve ser realizada na Universidade. Sobre este nível Azevedo diz que:

(...) não há sociedade alguma que possa prescindir desse órgão especial e tanto mais perfeitas serão as sociedades quanto mais pesquisada e selecionada for a sua elite, quanto maior for à riqueza e a variedade de homens, de valor cultural substantivo, necessários para enfrentar a variedade dos problemas que põe a complexidade das sociedades modernas. Essa seleção que se deve processar não "por diferenciação econômica", mas "pela diferenciação de todas as capacidades", favorecida pela educação, mediante a ação biológica e funcional, não pode, não diremos completar-se, mas nem sequer realizar-se senão pela obra universitária que, elevando ao máximo o desenvolvimento dos indivíduos dentro de suas aptidões naturais e selecionando os mais capazes, lhes dá bastante força para exercer influência efetiva na sociedade e afetar, dessa forma, a consciência social (Idem).

Neste cenário destaca-se, no campo educacional, a discussão em torno das propostas educativas dirigidas pela União e pelos Estados federados. Aos Estados, cabia a tarefa de legislar e organizar sua própria rede de ensino. À União, cabia criar e controlar a educação superior em todo país, o ensino secundário e a instrução em todos os níveis no Distrito Federal.
É dentro desta perspectiva que se articula os Pioneiros da Educação Nova concebendo a educação como sinônimo de progresso e de desenvolvimento como movimento político concentrado no campo educacional como síntese contraditória das luas presentes naquele momento histórico. O surgimento e desenvolvimento do escolanovismo no Brasil ocorreram no interior da crescente influência da cultura norte-americana pós Primeira Guerra Mundial, através da divulgação das idéias de John Dewey (1859–1952) .
A laicidade, gratuidade e obrigatoriedade, princípio consagrados na legislação deveria ser colocada em prática:

A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação são outros tantos princípios em que assenta a escola unificada e que decorrem tanto da subordinação à finalidade biológica da educação de todos os fins particulares e parciais (de classes, grupos ou crenças), como do reconhecimento do direito biológico que cada ser humano tem à educação. A laicidade, que coloca o ambiente escolar acima de crenças e disputas religiosas, alheio a todo o dogmatismo sectário, subtrai o educando, respeitando-lhe a integridade da personalidade em formação, à pressão perturbadora da escola quando utilizada como instrumento de propaganda de seitas e doutrinas. A gratuidade extensiva a todas as instituições oficiais de educação é um princípio igualitário que torna a educação, em qualquer de seus graus, acessível não a uma minoria, por um privilégio econômico, mas a todos os cidadãos que tenham vontade e estejam em condições de recebê-la. Aliás o Estado não pode tornar o ensino obrigatório, sem torná-lo gratuito (Idem).

Em Dewey a ação de educar teria como finalidade propiciar a criança condições para que resolvesse por si mesma seus problemas através de experiências concretas. A escola deveria voltar-se para os interesses dos alunos valorizando suas curiosidades naturais, tidas como preocupação a inserção do indivíduo no contexto de uma sociedade moderna e destacava o seu papel no interior dessa sociedade e da ordem social, enquanto participante das transformações sociais.
A implantação da Escola Nova não se deu pura e simplesmente pelos seus aspectos técnicos ou pedagógicos e sim, político, por fazer parte de um projeto de controle e de modelagem da sociedade, de acordo com Hilsdorf:

Porque essa metodologia foi aceita e considerada um mecanismo eficiente de controle social, para constituir ‘de cima para baixo’ o povo adequado a nação. A Escola Nova seria a pedagogia adequada para promover a superação do elemento nacional fraco e amorfo, porque proporcionava praticas de higienização (da saúde), de racionalização do (trabalho) e nacionalização (dos valores morais e cívicos) (HILSDORF, 2003, p. 83).

Neste contexto, o ciclo de reformas educacionais em vários Estados, tendo à frente intelectuais como Anísio Teixeira, Fernando Azevedo, Lourenço Filho, Francisco Campos e outros, contribuíram para a penetração do escolanovismo no Brasil, bem como para a criação da Associação Brasileira de Educação (ABE), em 1924, como fórum de debate e divulgação dos problemas educacionais.
O jogo político articulado por empresas particulares e pelas lideranças políticas que as representavam, nessa busca de subordinação aos seus interesses privados de uma esfera estatal de maior importância para todos, como é o caso da educação, só foi questionado com vigor a partir da emergência do movimento escolanovista. Foi esse movimento, que reivindicou claramente, a aplicação exclusiva de recursos públicos no ensino estatal; que denunciou as indevidas e nefastas interferências do coronelismo na educação; que reclamou, com vigor, a profissionalização do magistério, articulando e sugerindo medidas de capacitação, admissão por concurso público, promoção na carreira e remuneração condigna.

A Escola Pública no Manifesto dos Pioneiros
Vimos que a difusão e valorização escolar, no Brasil, acompanhavam o nível de desenvolvimento das forças econômicas em curso, coincidindo com o desenvolvimento da sociedade capitalista a nível internacional. Neste sentido, a idéia de escola pública anunciada pelo Manifesto emergiu do seio das lutas sociais e políticas, entorno e da hegemonia das idéias educacionais, assentado no princípio da escola pública, para todos, única e obrigatória em que todas as crianças, de 7 a 15, tenham uma educação comum, igual para todos.
O escolanovismo nasce, nesta perspectiva, como um movimento de idéias, resultado de uma prática social-pedagógica, baseadas no ideal positivista que se difundiu nos anos 20 e 30, mundialmente, resultado da hegemonia crescente dos EUA, e de seu domínio diante dos países “atrasados”.
O Manifesto dos Pioneiros assim inicia:
Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe pode disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional [...] é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade (AZEVEDO, 1958, p. 59).

Tomado por um sentimento nacionalista, Fernando Azevedo relator do manifesto atribuiu à velha república causa principal das mazelas do ensino. A ausência de um sistema nacional de ensino organizado acabou sendo considerada o grande entrave para o progresso e a qualidade do ensino. A falta de objetivos educacionais e de competência administrativa também são apontados como fatores responsáveis pelo atraso cultural. Seu discurso expressava o movimento econômico e político de seu tempo. Buscava-se na estrutura escolar o caminho mais apropriado para se construir à unidade nacional, ameaçada pelos embates políticos entre a burguesia e o proletariado presentes no mundo.
Azevedo (1958), ao diagnosticar os problemas educacionais, elencou uma série de fatores que impedem a construção de um ensino eficiente: professores mal-preparados, ausência de um espírito científico, de método, desorganização administrativa, falta de uma ação pedagógica eficiente, falta de uma visão global, professores descompromissados, ensino desarticulado da vida real e das relações humanas, ausência de democracia, elitismo, conteúdos desarticulados, falta de vontade política, distante do mercado de trabalho, desarticulação entre os diferentes graus de ensino, falta de continuidade nas políticas educacionais, falta de autonomia, centralismo, respeito às individualidades, verbalismo excessivo, falta de estímulo ao aluno, etc.
Sobre a formação dos professores:

A formação universitária dos professores não é somente uma necessidade da função educativa, mas considerada único meio de verticalizar a cultura, e abrindo-lhes a vida sobre todos os horizontes, estabelecer, entre todos, para a realização da obra educacional, uma compreensão recíproca, uma vida sentimental comum e um vigoroso espírito comum nas aspirações e nos ideais. Os professores de ensino primário e secundário, assim formados, em escolas ou cursos universitários, sobre a base de uma educação geral comum, dada em estabelecimentos de educação secundária, não fariam senão um só corpo com os do ensino superior, preparando a fusão sincera e cordial de todas as forças vivas do magistério. Entre os diversos graus do ensino, que guardariam a sua função específica, se estabeleceriam contatos estreitos que permitiriam as passagens de um ao outro nos momentos precisos, descobrindo a superioridade em gérmen, pondo-as em destaque e assegurando, de um ponto a outro dos estudos, a unidade do espírito sobre a base da unidade de formação dos professores (Idem).

Um clima de insatisfação e de esperança pela mudança acabou levando os 26 intelectuais que assinaram o documento, elegendo a educação como elemento decisivo no processo de modernização ou de reconstrução educacional. Acreditavam na expansão da escola publica e na profissionalização do ensino, como alavanca capaz de inserir o Brasil na rota dos países industrializados e desenvolvidos, como fator principal da transformação social, como podemos constatar nas seguintes passagens:

Mas, a educação que, no final de contas, se resume logicamente numa reforma social não pode, ao menos em grande proporção, realizar-se senão pela ação extensiva e intensiva da escola sobre o indivíduo e deste sobre si mesmo (...) (grifos nossos).

(...) que torne a escola acessível, em todos os seus graus, aos cidadãos a quem a estrutura social do país mantém em condições de inferioridade econômica para obter o máximo de desenvolvimento de acordo com as suas aptidões vitais .
Chega-se, por esta forma, ao princípio da escola para todos; “escola comum ou única” .

A unidade educativa – essa obra imensa que a União terá de realizar sob pena de perecer como nacionalidade (...)..

Nós temos uma missão a cumprir: insensíveis à indiferença e à hostilidade, em luta aberta contra preconceitos e prevenções enraizadas, caminharemos progressivamente para o termo de nossa tarefa, sem abandonarmos o terreno das realidades, mas sem perdermos de vista os nossos ideais de reconstrução do Brasil, na base de uma educação inteiramente nova .

Sobre a importância da educação, Azevedo sentencia:
Toda a profunda renovação dos princípios que orientam a marcha dos povos precisa acompanhar-se de profundas transformações no regime educacional: as únicas revoluções fecundas são as que se fazem ou se consolidam pela educação, e é só pela educação que a doutrina democrática, utilizada como um princípio de desagregação moral e indisciplinar poderá transformar-se numa fonte de esforço moral, de energia criadora, de solidariedade social e de espírito de cooperação .

O discurso pela unidade e pela harmonia é a nova “luz” que iluminará as políticas educacionais deste século. Urge então, formar um “novo homem” cidadão para um “novo Brasil” emergente e industrializado em correspondência com as transformações sociais no mundo. Esse novo homem deveria ter a capacidade de desempenhar seu trabalho com talento, competência e criatividade. Caberão às escolas técnicas-profissionalizantes forjar essa nova força, que começava a predominar nos novos currículos escolares. Sobre os novos fundamentos da Escola Nova, Azevedo afirma que:

[...] deve ser organizada de maneira que o trabalho seja seu elemento formador, favorecendo a expansão das energias criadoras do educando, procurando estimular-lhe o próprio esforço como o elemento mais eficiente em sua educação e preparando-o, com o trabalho em grupos e todas as atividades pedagógicas e sociais, para fazê-lo penetrar na corrente do progresso material e espiritual da sociedade em que proveio e em que vai viver e lutar .

Fernando Azevedo atribui ao manifesto como sendo o renascer da força nacional em favor do progresso, pondo um fim ao atraso econômico-cultural. O surto industrial desencadeia uma verdadeira cruzada pela educação como condição imprescindível para fazer do Brasil uma grande nação. Reafirma-se, então, a defesa da escola pública, gratuita, laica e obrigatória para todos como o único caminho possível para a instauração de uma sociedade efetivamente livre, democrática e igualitária, submetendo as demais forças, inclusive a questão econômica, às ações educacionais. Segundo esta concepção o problema só não estava na base econômica.
Mas, do direito de cada indivíduo à sua educação integral, decorre logicamente para o Estado que o reconhece e o proclama, o dever de considerar a educação, na variedade de seus graus e manifestações, como uma função social e eminentemente pública, que ele é chamado a realizar, com a cooperação de todas as instituições sociais. A educação que é uma das funções de que a família se vem despojando em proveito da sociedade política, rompeu os quadros do comunismo familiar e dos grupos específicos (instituições privadas), para se incorporar definitivamente entre as funções essenciais e primordiais do Estado (AZEVEDO, 1958).

Os princípios da educação nova era a chave para a edificação de um novo tempo; ou seja, a sociedade industrial emergente, através de uma “operação desmonte” da idéia da sociedade de classes para a idéia de uma sociedade de cidadãos.
Com isso a educação torna-se o elemento mais importante no processo de disseminação dessa concepção. As reformas educacionais a partir de então, foram inspiradas na formação de um novo ser social capaz de produzir riquezas para si e para seu país: nasce o cidadão, uma nova figura social, que será concebido o ser responsável de realizar as transformações necessárias em favor da nação.
O homem-cidadão pretendido é aquele inspirado na modernidade e no progresso social da Europa, modelo a ser seguido e com objetivo a ser atingido pelos princípios da Nova Escola, para inseri-lo no mercado, capacitando-o e colocando-o no mundo da produção e do consumo.
É com esse novo ser social que a escola irá trabalhar, desenvolvendo suas habilidades, preparando para viver em uma sociedade não dividida em classes e com interesses antagônicos, mas em um ambiente democrático, visando sempre harmonizar e unificar as forças sociais:
A educação nova, alargando a sua finalidade para além dos limites das classes, assume, com uma feição mais humana, a sua verdadeira função social, preparando-se para formar a “hierarquia democrática” pela “hierarquia das capacidades”, recrutadas em todos os grupos sociais, a que se abrem as mesmas oportunidades em todos os grupos sociais.
Expressando o pensamento coletivo de sua época, Fernando de Azevedo aposta na instauração de uma nova política educacional como primazia do desenvolvimento. A preparação do cidadão para viver esse novo tempo é o objetivo central de seu discurso e que acompanhava uma nova onda de produção, sustentada agora na indústria e na vida urbana.
Tendo uma concepção ampliada de escola, os pioneiros entendiam que a tarefa educativa deve ser incorporada não somente pelas instituições educativas formais, mas toda instituição social caráter educativo ou de assistência social, incluindo a família, devem ser incorporadas em todos os sistemas de organização escolar para corrigirem essa insuficiência social, cada vez maior, das instituições educacionais. As instituições de educação e cultura, desde os jardins de infância às escolas superiores, devem ser chamadas a desenvolver conjunto sistemático de medidas de projeção social da obra educativa além dos muros escolares:
A consciência do verdadeiro papel da escola na sociedade impõe o dever de concentrar a ofensiva educacional sobre os núcleos sociais, como a família, os agrupamentos profissionais e a imprensa, para que o esforço da escola se possa realizar em convergência, numa obra solidária, com as outras instituições da comunidade. Mas, além de atrair para a obra comum às instituições que são destinadas, no sistema social geral, a fortificar-se mutuamente, a escola deve utilizar, em seu proveito, com a maior amplitude possível, todos os recursos formidáveis, como a imprensa, o disco, o cinema e o rádio, com que a ciência, multiplicando-lhe a eficácia, acudiu à obra de educação e cultura e que assumem, em face das condições geográficas e da extensão territorial do país, uma importância capital. À escola antiga, presumida da importância do seu papel e fechada no seu exclusivismo acanhado e estéril, sem o indispensável complemento e concurso de todas as outras instituições sociais, se sucederá a escola moderna aparelhada de todos os recursos para estender e fecundar a sua ação na solidariedade com o meio social, em que então, e só então, se tornará capaz de influir, transformando-se num centro poderoso de criação, atração e irradiação de todas as forças e atividades educativas (Idem).

Em síntese, o plano de reconstrução educacional foi âncora para o desenvolvimento e modernização do Brasil proclamado pelos pioneiros da Escola Nova, que pretendiam formar o cidadão brasileiro à imagem da ideologia burguesa oferecendo uma educação para todos como forma de permitir a ampliação do estado de direito democrático, preservando sempre a unidade nacional, em nome do progresso, colocando-a a serviço da construção e consolidação do mundo burguês.

Considerações finais

O estudo sobre os antecedentes históricos possibilitou-nos compreender com maior nitidez os acontecimentos sociais, econômicos e políticos que prepararam o alicerce sobre o qual o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova se desenvolveu. Nele verificamos que educação e progresso se fundem, e que, portanto, uma não tem sentido sem a outra.
Fernando de Azevedo apresenta a educação como o elemento decisivo no processo de desenvolvimento social de um país, concepção esta ainda presente na sociedade atual, principalmente nos discursos parlamentares e nas ações governamentais.
Certamente seria impossível pensar uma sociedade sem educação, entretanto, segundo nossa visão, ela não exerce o papel determinante como aparece em diversas passagens do texto estudado. A história tem demonstrado que dentro do modo de produção capitalista, a educação jamais desempenhou o papel principal, mas sempre esteve subordinada ao movimento histórico geralmente determinado pelas relações econômicas e políticas. Neste sentido as teorias educacionais sempre estiveram submetidas e articuladas com o processo de desenvolvimento das relações sociais. Aliás, à educação tem sido atribuída cada vez menos importância no bojo das políticas gerais da sociedade contemporânea, como podemos constatar na política neoliberal, ainda vigente.
Favoráveis a uma educação pública, gratuita, mista, laica e obrigatória, os pioneiros entendiam que o Estado deveria se responsabilizar pelo dever de educar o povo, responsabilidade esta que era, a princípio, atribuída à família. Os pioneiros ainda apontaram como questões de seu tempo, tornando pública as deficiências internas do ensino brasileiro como: valorização e profissionalização da atividade educacional como papel político e social; necessidade de organizar e planejar a atividade educacional; necessidade de entender a educação no interior de uma sociedade complexa; Educação como atividade coletiva dos educadores; valorização da ciência como base da atividade educativa; definição dos níveis de ensino com tarefas específicas para a escola primária, secundária e superior, escola normal e profissionalizantes e a educação como instrumento de formação da cultura e da ciência.
O Estado, por sua vez, deveria proporcionar uma escola de qualidade e gratuita, tendo em vista os interesses dos indivíduos em formação e a necessidade de progresso, consideram que esta educação deva ter caráter obrigatório. Os pioneiros ainda colocavam-se favoráveis à escola mista e, questionando os princípios da educação católica, defendem uma educação laica, o que os distanciaria a educação da influencia religiosa e colocaria a educação no campo das questões sociais. Neste sentido os pioneiros expressavam o Brasil uma sociedade marcada pela heterogeneidade
A adesão sistemática dos escolanovistas em favor dos princípios da Escola Nova foi a possível e necessária naquele momento histórico, pois o movimento de transformação social apontava para a instauração de uma ordem social burguês-industrial, consubstanciada nos ideais da democracia e na formação do homem-cidadão.
Em relação à efetivação da escola pública para todos e de qualidade, ideário defendido pelos pioneiros, ficará somente no plano do discurso político-ideológico A rigor teremos um modelo de escola estatal, ou seja, financiada pelo Estado, mas que exerce forte controle nos aspectos curricular e avaliação.






Notas