ESTADO E EDUCAÇÃO: (NEO)LIBERALISMO E O IDEÁRIO DA ESCOLA PÚBLICA CIDADÃ (1980-1990

Introdução

Tem sido comum referir-se que a escola pública é uma instituição em crise, afundando ou até mesmo fada ao desaparecimento. Nenhuma outra instituição recebeu tantos adjetivos quanto a escola pública. Nos anos 70 foi denominada de tecnicista, nos anos 80, foi considerada elitista, excludente, burocrática, reprodutora. Nos anos 90, por conta das teses neoliberais, foi considerada incompetente, e seus profissionais improdutivos.
Nos anos 90 a sociedade brasileira faz opção pelo projeto de reconstrução nacional, representado pelo governo Collor, desencadeando um processo de reformas educacionais generalizadas.

Neste prisma, são apontados os mais diferentes aspectos: falta de criatividade dos professores, ausência da comunidade na elaboração dos projetos político-pedagógicos da escola, falta de democracia e de eleição direta para diretores, autonomia, falta de uma política educacional eficaz, descontinuidade administrativa, má distribuição do espaço físico e dos recursos, falta de verbas, séries inadequadas à idade dos alunos, excesso de alunos nas salas, entre outros. São algumas das principais causas apontadas como responsáveis pelo fracasso da escola.

No Estado do Paraná, este discurso foi recorrente, inaugurando um período de entusiasmo e otimismo. A luta pela cidadania tornou-se o mote das políticas sociais e inicia-se um movimento de exorcização da educação e da burocracia escolar tendo como base a reforma e modernização do Estado. A garantia de cidadania a todos aparece então como uma forma de ascensão social, ideário presente no pensamento liberal presente em Locke (1978), Smith (1983) e Tocqueville (1987).



Objetivos
Objetivamos discutir o ideário da escola pública cidadã presente nos encaminhamentos governamentais no campo educacional. Compreender impõe a necessidade de pontuar o surgimento da escola cidadã, em correspondência com o processo de transformação social ocorrido ao longo dos séculos XVII e XVIII e que culminou com a Revolução Francesa e a efetiva tomada do poder pela burguesia.

O objetivo desta recuperação histórica do surgimento do ideário de cidadão e da escola modernos é levantar parâmetros para uma análise do que se entende contemporaneamente por escola cidadã.

Resultados
Os ideais da escola pública e laica como a conhecemos atualmente, surgiram com a Revolução Francesa (1789), tendo como princípios norteadores a liberdade, igualdade e fraternidade, proclamados na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). O discurso liberal tornou-se hegemônico, considerada como uma das cruzadas da burguesia contra a feudalidade com a tomada do poder político. Urgia então construir um novo sistema de ensino, voltado para formar um novo homem. Constituiu-se em um arrojado manifesto da burguesia na luta contra o absolutismo, ao criar condições políticas favoráveis para o desenvolvimento das relações capitalistas, passando a nortear a nova ordem mundial.

Proclamando a igualdade jurídica de todos os homens, a burguesia, no século XVIII, na França, uma classe jovem, mas já revolucionária, declarou a inviolabilidade do direito de propriedade individual. A liberdade econômica, a liberdade individual, a liberdade da palavra e a igualdade pressupunham a necessidade de transmitir novos conhecimentos.
A sociedade capitalista, tal como se organizava no final do século XVIII, início do século XIX, propunha uma nova concepção de educação em correspondência com as transformações econômicas, a partir da afirmação da sociedade liberal, fundamentada em um sistema de competição social e econômica. A doutrina liberal atribui á educação escolar papel preponderante na construção da sociedade. Neste sentido, é na direção de uma ordem liberal que a escola deverá ser organizada. Um novo homem deverá ser formado sob as virtudes do caráter, da honra, da coragem, do altruísmo e da disposição pelo trabalho. O século XIX é marcado pelo triunfo da doutrina liberal sob a profecia de que o regime das liberdades, política, econômica e individual, como condição necessária para a prosperidade de todos. O liberalismo também ficou denominado como a doutrina do laisses - faire, isto é, faça o que bem estender como grito de guerra dos comerciantes, industriais e banqueiros contra o poder econômico e político absolutistas.

Todavia, a doutrina liberal também experimentou, no final do século XIX, as maiores reações às suas intenções, ao seu conteúdo filosófico e as suas conseqüências sociais. Como resultado deste processo, temos o surgimento da classe operária, que passou a reivindicar igualdade de acesso aos bens, a ordenação do socialismo utópico e do socialismo científico. O movimento revolucionário de 1848 foi o ápice desta reação, culminado com a vitória da burguesia.

Durante o período renascentista, os estudos eram privilégio da nobreza e do clero. Com a formação da burguesia mercantil, esta passou a exigir uma "nova educação", que seria concretizada com a introdução do ensino da geografia, aritmética e história, entre outros conhecimentos que deveriam estar mais conforme as suas necessidades. Pretendia-se, com isso, formar naquele momento o jovem "gentleman", capaz de enfrentar os desafios colocados pela nova época e impulsionados pelo desenvolvimento do comércio, contribuir para as descobertas científicas.
Aquilo que era útil e prático para os homens passou a constituir os principais valores da nova classe social emergente, em oposição à vida pacata e calma dos monges, bem como ao ensino dogmático feudal. Assim, o Renascimento do comércio e, conseqüentemente, a produção cada vez mais intensa de produtos não só repercutiu nos negócios como também nos métodos educativos de ensinar as futuras gerações. A valorização dos negócios, e, portanto, da vida terrena, o uso da razão e a valorização do indivíduo tornaram-se os elementos inovadores do ensino da nova sociedade que estava surgindo. As novas condições materiais criadas pelos homens a partir de então provocaram mudanças nas relações sociais e produziram também uma nova concepção de vida. No início do século XVIII, o liberalismo surgiu como filosofia inovadora, cujos princípios passaram a nortear a estruturação e o desenvolvimento da sociedade. A essência dessa nova relação social passou, cada vez mais, a identificar-se com a produção de mercadorias, cujo sustentáculo era a propriedade privada. Se, antes, a riqueza era justificada pelos princípios religiosos, a partir de então passou a ser concebida como posse natural. Esse novo anseio social implica na existência de uma sociedade dinâmica composta por homens empenhados em construir um novo mundo. Com a Revolução Gloriosa na Inglaterra, a Revolução Francesa, a Independência dos Estados Unidos e as modificações introduzidas pela Revolução Industrial, surgiu a necessidade de se transmitir um conhecimento sistematizado a este novo homem, já identificado como o homem burguês.
A sociedade capitalista, tal como se organizava no final do século XVIII, baseava-se numa nova forma dos homens estabelecerem suas relações, ou seja, fundamentava-se na produção de mercadorias voltada para a troca. A nova dinâmica social, inaugurada no século XVIII, levou ao poder uma nova classe social: a burguesia. Neste sentido, a burguesia estava cada vez mais consciente de seus interesses econômicos sociais e políticos. Seus representantes tinham percebido que a organização de uma nova forma social passava pela total reformulação do Estado e pela eliminação dos privilégios do clero e da nobreza.
Assim, a Revolução Francesa foi uma luta, na qual a burguesia teve o papel principal, cuja vitória significou o aniquilamento da velha sociedade e concomitantemente a afirmação da sociedade liberal. A todo instante, a burguesia iria se amparar nos princípios da Declaração dos direitos do homem e do cidadão, votada e aprovada no dia 26 de agosto de 1789, na França, foi o instrumento político onde se declarou os princípios fundamentais da nova sociedade e serviu como modelo de inspiração a todos os movimentos liberais que se desencadearam daí em diante. Pretendia-se, com isso, definir e garantir os direitos elementares do futuro cidadão numa sociedade democrática. Esses princípios, denominados de inalienáveis, foram expressos em dezessete artigos da nova constituição francesa, que deveria servir de modelo para todas as nações: “A liberdade individual, a liberdade da palavra, a liberdade de consciência, a segurança e a resistência à opressão foram proclamados direitos naturais imprescritíveis do homem e do cidadão” (MANFRED, 1965: 84).
Proclamando a igualdade jurídica de todos os homens, a burguesia, no século XVIII na França, uma classe jovem e revolucionária, declarou a inviolabilidade do direito de propriedade individual, opondo-se à forma hierárquica da propriedade. A célebre frase "Liberdade, igualdade e fraternidade, uma das marcas da Revolução Francesa", foi um verdadeiro e arrojado manifesto da burguesia na luta contra o regime absolutista, que ainda tentava se manter no poder. Os dezessete artigos da Declaração dos ideais da classe burguesa significaram a sistematização dos desejos da burguesia, através da luta pela liberdade, propriedade, igualdade, individualismo, enfim, pela democracia. Portanto, foi o pensamento liberal expresso por um conjunto de idéias, elaborado pelos pensadores ingleses e franceses, principalmente a partir do século XVII, que passou a nortear a nova ordem social.
Para melhor compreensão, destacamos os princípios fundamentais. O individualismo é o princípio que considera o indivíduo como sujeito que deve ser respeitado por suas aptidões e talentos próprios. A função do governo é a de permitir ao máximo que cada indivíduo desenvolva seus talentos, em competição com os demais. O princípio da liberdade está associado ao individualismo. Antes de tudo está à liberdade individual, dela decorre a liberdade econômica, intelectual, religiosa e política.
O princípio da propriedade é outro elemento fundamental da doutrina liberal. Esta é entendida como um direito natural do indivíduo. A doutrina liberal repudia os privilégios decorrentes do nascimento e sustenta que o trabalho e o talento são os instrumentos legítimos de ascensão social e de aquisição de riquezas, assim qualquer indivíduo pobre, mas que trabalha e tenha talento, pode adquirir propriedade e riquezas.
A igualdade é outro valor importante para a doutrina liberal, porém não significa igualdade de condições materiais. Assim como os homens não são tidos como iguais em talentos e capacidade, também não podem ser iguais em riquezas. A verdadeira posição liberal exige a igualdade perante a lei, igualdade de direitos entre os homens, igualdade civil. Todos têm, por lei, direitos iguais à vida, à liberdade, à propriedade, à proteção das leis.
Estes princípios do liberalismo estão interligados, a não realização de um deles implica na impossibilidade de todos os outros. Outro importante princípio da doutrina liberal é a democracia, que consiste no direito de todos participarem do governo através de representantes de sua própria escolha. Os interesses pessoas de cada indivíduo seriam, assim, os de toda a sociedade. A doutrina liberal atribui à educação escolar papel preponderante na construção da sociedade moderna. Assim, nesse momento histórico, o novo homem era aquele que tinha acesso aos bens materiais e aos direitos políticos assegurados pelas leis constitucionais. Através da convivência em uma sociedade democrática, onde todos tinham o direito de participar das decisões, via voto livre, permitia-se a plena realização do indivíduo. É assim que se dá a construção do Estado de direito democrático. É a esta organização social e política que a escola cidadão irá servir na manutenção dos interesses e necessidades da ordem burguesa, sobretudo no século XX.
Com a vitória da burguesia, entretanto, formou-se um ser social contraditório que, ao mesmo tempo em que deveria ser exemplo de conduta moral (cidadão-político), deveria também se preocupar em garantir sua sobrevivência, a de sua família e de sua empresa através de uma relação de exploração e de busca por um lucro constante. Este homem deveria ser formado sob as virtudes do caráter, da honra, da coragem, do sentimento pelo amor ao público e da disposição para o trabalho. Aquele que não tivesse essas características era considerado ocioso.
No entanto, esse novo homem vivia em uma relação conflituosa e contraditória com sua prática social, ou seja, o ser material, egoísta explorador, deveria mostrar também sua "sensibilidade social". Analisando esta contradição, Zélia Leonel afirma: O ser material é o burguês egoísta, tem existência real, é objeto de certeza imediata e sensível. O ser moral, é o cidadão, não tem existência real, é uma abstração um ideal, um artifício (LEONEL, p. 45). Nesse sentido, a concepção liberal dá ao ser material egoísta uma "roupagem" moral, enaltecendo virtudes abstratas como altruísta, simpático, justo, fraterno, autônomo e às vezes até bonito.
Assim, este ser contraditório substituiu o homem feudal com a missão de colocar ordem na desorganização social. Seus deveres para com Deus foram substituídos por deveres voltados ao Estado democrático. A Revolução Francesa destruiu as relações de produção feudal, neste sentido ela foi nitidamente uma Revolução Burguesa, pois criou condições políticas favoráveis para o rápido desenvolvimento do modo de produção capitalista. A liberdade econômica foi um dos princípios que deu base a todos os ideais de transformação da classe burguesa contra a velha relação feudal.
Então, o liberalismo foi à resposta mais avançada e elaborada que a burguesia deu à aristocracia e à nobreza feudal. A Declaração de independência americana, que antecedeu dezessete anos à Revolução Francesa, foi o início do processo emancipatório, que se desencadeou em toda a Europa. Porém, o ocorrido em 1789 não influenciou somente a Europa, os ideais do liberalismo contaminaram os quatro cantos do mundo e provocaram as reformas constitucionais de quase todos os países. Se, até a primeira metade do século XIX, o cidadão idealizado por Locke e outros pensadores é um ser revolucionário e, portanto, transformador da sua realidade, a partir de 1850, com o processo de crise do capital e, com a Comuna de Paris e o aumento da miséria, o Estado burguês forja o indivíduo defensor de sua pátria. Sintetizando esse importante momento histórico, Zélia diz: “Tratava-se na verdade de defender os interesses burgueses frente à grande crise do capital, na esteira da qual seguiam as lutas concorrenciais por novos mercados” (Ibid, p. 185).
É com este espírito que a burguesia aprofunda o discurso em defesa da escola pública. Com isso, a burguesia organiza uma ação mais afetiva do Estado, através de criação de escolas públicas para todos os níveis e programas de assistência material, alimentar e médico, criam-se ainda programas de bolsa de estudo, subsídios e empréstimos para que os alunos "carentes" tenham acesso ao estudo.
Dentro desta ótica, o homem revolucionário do século XVIII terá pouca consistência moral. O ideário liberal o forjará romanticamente, mas agora, para colocá-lo a serviço da civilização burguesa, com o intuito de conquistar novos mercados. Esse enfoque romântico, dado pela educação liberal, é uma maneira de suavizar a fúria e a voracidade do homem burguês na busca do lucro.
As políticas educacionais adotadas pelos governantes têm sido em sua maioria, colocadas em prática como um conjunto de receitas e promessas de campanhas eleitoras, como instrumento de enfrentamento da crise da sociedade, entendida como crise da educação. A escola cidadã, ou, a busca pela cidadania, tem sido termos recorrentes, aparecendo com insistência nos discursos educacionais da contemporaneidade.

Nossa análise de documentos e planos educacionais, produzidos no Estado do Paraná a partir de 1990, procurou compreender de que maneira a crise social, traduzida como crise educacional, foi enfrentada pelo governo entre os anos de 1992 a 1995. Para atingir tal objetivo utilizamos os documentos: Plano estadual de alfabetização e cidadania, elaborado em 1991. Para os representantes dos núcleos educacionais, diretores e professores e Construindo a escola cidadã, produzido pela SEED/PR tendo como consultores os educadores Moacir Gadotti e Eronita Silva Barcelos. Os ideais contidos nestes documentos serviram como ponto de partida das políticas educacionais do Governo Roberto Requião e foram aprofundadas pelo atual governo.

Patrocinadas pelo Banco mundial, as políticas educacionais no Paraná, a partir de 1992, definiram-se numa perspectiva de solução para o fracasso escolar, que, segundo Antonio João Mânfio, superintendente da SEED/PR, é mais psicológico que real: Desde que assumimos a superintendência, buscamos com zelo e determinação, superar a síndrome do fracasso escolar, mais psicológico do que real (SEED, 1992: 01).

Na medida em que a educação foi eleita como "culpada" pelas mazelas sociais, a solução da crise é entendida como possível pela simples reorientação das instituições, especialmente a escola. Deste prisma, são apontados os mais diferentes aspectos deficitários desta escola: falta de uma visão teórica do trabalho escolar, interferência do poder público nos destinos da escola, falta de criatividade dos professores, ausência da comunidade na elaboração dos projetos pedagógicos da escola, falta de democracia e de eleição direta para diretores, autonomia, falta de uma política educacional eficaz, descontinuidade administrativa, má distribuição do espaço físico e dos recursos, falta de verbas, salas de aula mal distribuídas, séries inadequadas à idade dos alunos, não cumprimento dos preceitos constitucionais, recursos humanos despreparados, excesso de alunos nas salas, equipe pedagógica e técnica despreparadas e claro, os baixos salários dos professores. São essas algumas das principais causas apontadas como responsáveis pelo fracasso da escola.

O Plano estadual de alfabetização e cidadania, elaborado pelos diferentes representantes do segmento educacional no Paraná, consistiu numa resposta à sociedade que acreditava ser a educação o caminho de superação da crise. Foram objetivos deste plano: pretende reverter à realidade e assegurar a qualidade do ensino, oportunizando resgate às condições concretas que levaram à situação hoje existente e propondo alternativas de mudança (Ibid, p. 14).

Essa máxima é encontrada em várias passagens dos documentos analisados, reforçando, portanto, a necessidade da manutenção da ordem burguesa. Assim, de maneira contraditória, acredita-se que é possível fazer desta sociedade em crise, uma sociedade justa, humana e fraterna.
Para que cada cidadão possa participar efetivamente da vida nacional é necessário que o conceito de alfabetização seja ampliado, deixando de ser um processo meramente mecânico do ensino de leitura e escuta, transformando-se num instrumento de formação para ler o mundo, construindo cidadãos críticos, numa concepção de sociedade mais digna, justa e humana, partindo do princípio de que o homem como ser social deve participar ativamente do trabalho (Idem).

A primeira condição para a construção do novo cidadão seria, portanto, a erradicação do analfabetismo, através de campanhas semelhantes às "campanhas de vacinação" em massa. A autonomia da escola, também se transformou na principal reivindicação da comunidade escolar. Numa perspectiva idealista e descolada da realidade social, a autonomia daria à escola um papel de transformadora do real: “A autonomia conduz diretamente à cidadania” (Ibid, p. 10).

A gestão democrática, através de eleição direta de diretores das escolas, também é considerada um elemento positivo na superação do fracasso escolar.
Sobre isso, Moacir Gadotti diz que: “A principal inovação das escolas do Paraná neste tema e que é um exemplo para as escolas do reto do país, é a escolha democrática da direção da escola” (Ibid, p. 16).
O exercício do voto é defendido como garantia da democracia. Assim, as crianças e adolescentes devem aprender, desde os primeiros anos escolares, atividades que despertem a escolha de seus dirigentes. Sobre isso diz o plano: “Trata-se, através de medidas como essa, de impulsionar a escola no desenvolvimento da cidadania” (Ibid, p. 38).

O ciclo básico de alfabetização - CBA, implantado a partir de 1988, nas escolas da Rede Estadual, via decreto, propõe eliminação da reprovação dos alunos da 1ª para a 4ª série e novas alternativas de avaliação como medidas para uma diminuição dos índices de repetência escolar. Roberto Requião, em 1993, assim justifica sua decisão, ao se referir ao CBA:
[...] o maior problema da escola não é tanto a evasão, mas a repetência. Grande parte dos alunos sai da escola porque acha que já está reprovada. Os alunos são dados como evadidos, mas retornam no ano seguinte. As estatísticas de evasão não correspondem, portanto, à realidade. A segunda questão refere-se à avaliação que em nossa prática escolar tradicional tem sido criticada por suas falhas e vícios um instrumento de punição e imposição aos alunos para que o desenvolvimento de sua capacidade de aprender e conhecer. Em vista disso e sabendo dos excelentes resultados obtidos com a implantação do Ciclo Básico nas duas primeiras séries, decidi ampliá-lo possibilitando um tratamento mais adequado às necessidades de aprendizagem dos alunos, e diminuindo ainda mais as dificuldades para um ensino de melhor qualidade (REQUIÃO, 1993).

A luz destes discursos, a escola ganha vida própria, dependendo dela a solução de sua própria crise e, em conseqüência, da crise social. Todo esse discurso está amparado no exercício da cidadania. A crise econômica mundial, repercutindo rapidamente no campo educacional, atribuiu novas funções à escola, como, por exemplo, recuperar os excluídos da sociedade, dando-lhes a consciência de cidadão sabedores dos seus direitos e deveres. Assim, a população marginalizada deverá ser incorporada ao sistema escolar, segundo o Governo, porta de entrada obrigatória para a cidadania. A entrada dos marginalizados na escola, acreditam os governantes, garantiria a sobrevivência de todos. Eis a concepção existente nos planos educacionais da Secretaria da Educação do Paraná:

Assim, entende-se que educar um trabalhador culto é a meta de uma escola pública comprometida com a verdadeira compreensão do que é um cidadão: um trabalhador qualificado e culto sujeito de deveres e direitos, capaz de dirigir em qualquer instância da sociedade, ser dirigido e controlar seus dirigentes (SEED, p. 3).

Através da ideologia burguesa, difunde-se assim, a politização da classe dominada como solução da miséria social. Revivemos então, no Estado do Paraná, um período de entusiasmo e otimismo semelhante ao ocorrido entre os anos de 1887 a 1930, no Brasil, fase da Primeira República. Neste período, houve um crescimento vertiginoso do processo de industrialização do país, que correspondia, a nível mundial, ao estágio imperial do capitalismo no mundo.

O pensamento educacional da época objetivava formar o cidadão no sentido de prepará-lo para a nova realidade que estava se instalando em terras brasileiras, por conta da ofensiva dos interesses do capital internacional e da necessidade de industrialização nacional sob o domínio da ideologia liberal. “As idéias pedagógicas da atualidade identificam-se com esta vertente e expressam a mesma concepção de cidadão difundida na fase culminante do desenvolvimento da livre concorrência (1860-1870)”.

O entusiasmo pela educação manifesta-se no destaque dado aos aspectos quantitativos do ensino, por exemplo, a política contra o analfabetismo da população. Da mesma forma, existe uma preocupação com as questões qualitativas, principalmente quanto à melhoria das condições didáticas e pedagógicas de ensino. Estas políticas voltadas para o otimismo pedagógico articulam-se com políticas mais amplas. A partir de 1992, fase crescente de desemprego e do aprofundamento da crise estrutural, os governos estaduais, auxiliados pelos recursos internacionais, iniciam um processo de reconstrução do Estado sintonizado com as políticas do governo Collor de enxugamento do Estado brasileiro. A luta pela cidadania torna-se o grande mote das políticas sociais e inicia-se um movimento de exorcização da educação e da burocracia escolar. “A tradição burocrática da escola é um fardo pesado que limita os ideais de liberdade e a autonomia” (Ibid, p. 10).

O aumento da pobreza e da miséria torna-se o alvo dessas políticas. A garantia de cidadania a todos aparece então como uma forma de ascensão social. Assim, a cidadania passa a ser o elemento de transformação da realidade social e cabe à escola o papel mediador deste processo. A crise da sociedade tem sido abordada pela maioria dos educadores como resultado dos problemas educacionais. As críticas são contraditórias e confusas e expressam uma ignorância quanto à nova ordem do capitalismo contemporâneo. A visão equivocada da nova ordem do capitalismo contemporâneo entre os educadores do Paraná manifesta-se das mais diferentes maneiras. Por exemplo, para resolver o impasse, que julgam ser de natureza educacional, os educadores buscam reminiscências de um passado que já não responde às questões do nosso século.

A velha concepção de que a educação deve preparar o homem para o trabalho parece persistir em nossa sociedade, que, aliás, nem emprego oferece mais, e sim o desemprego crescente. A preparação do homem para o trabalho, nos moldes do velho capitalismo, onde prevaleceu à livre concorrência, é uma idéia que não se coaduna com o estágio do capitalismo financeiro atual, onde o Estado burguês passa a administrar relações comerciais e financeiras entre os grupos econômicos.
Neste sentido, o processo de privatização e a crença de que as idéias neoliberais irão salvar o ensino, fenômeno que vem ocorrendo a nível nacional, precisam ser pensados dentro de uma totalidade da crise mundial. A visão caótica e contraditória da crise estrutural do capitalismo também se manifesta nas lideranças sindicais ligadas aos professores. Para estas, a crise social é entendida e denominada como a crise brasileira e não crise do capital. As lideranças sindicais assim definiram o cidadão durante o V Congresso Estadual da APP Sindicado em 1994: “A construção da cidadania passa necessariamente pelo mundo da cultura. Não há cidadania sem cultura e uma tomada de consciência para ações espontâneas” (APP-Sindicato, p. 19).
Dentro desta perspectiva, observamos que os princípios almejados na formação do novo cidadão assemelham-se aos princípios construídos, porém, separados por diferentes momentos históricos, nos ideais da Declaração dos direitos do homem e do cidadão, promulgados no século XVIII, na França. A idéia de cidadão é ainda assim definida: “Cidadania é o exercício, consciente dos direitos e deveres” (Ibid, p. 16).

Conclusões
Os ideais da escola burguesa nasceram no século XV, na época do Renascimento na Europa. Neste momento, a escola adquire um papel de fundamental importância no processo de construção do mundo burguês. Nesta época ela era uma instituição revolucionária na medida em que se contrapunha à estrutura educacional do feudalismo. Diferentes autores darão ênfase à nova forma de educar o homem, totalmente diferentes do modelo anterior.

A questão da cidadania, objeto de investigação deste estudo sempre mereceu destaque nas políticas educacionais do Brasil, constituindo-se em bandeira de luta de todos os planos do governo, sobretudo, em época de campanhas eleitorais.

Procuramos assinalar que a escola cidadã, tão discutida e defendida na qualidade, tem uma história. Os ideais da escola burguesa nasceram no século XV, na época do Renascimento na Europa. Neste momento, a escola adquire um papel de fundamental importância no processo de construção do mundo burguês. Nesta época ela era uma instituição revolucionária na medida em que se contrapunha à estrutura educacional do feudalismo. Diferentes autores darão ênfase à nova forma de educar o homem, totalmente diferentes do modelo anterior. No século XIX, de revolucionário, o homem tornou-se um instrumento de defesa e consolidação das relações capitalistas. A partir do século XX, a escola cidadã surge para mediar à crise social.

Ao lançar-nos a questão, o porquê da insistente defesa das idéias da cidadania, podemos compreender que ela tem sido especialmente no Estado do Paraná, como um renascer de uma nova forma de educar o homem.

Vimos que a cidadania tem adquirido formas diferentes ao longo da história. No Paraná, o cidadão tem sido colocado como significado social e que resolva a crise da atual sociedade. Nesta perspectiva o cidadão da atualidade não é o questionador crítico da sua realidade, mas respeitador da ordem vigente.

O respeito à democracia, a liberdade e os direitos de cada indivíduo anunciados em 1789, quando da elaboração da Declaração dos direitos do homem e do cidadão, continuam sendo os valores fundamentais do homem contemporâneo. O modelo da escola cidadã, ou seja, "Cidadão Nota 10" do Paraná, é um exemplo tácito de como os ideais burgueses continuam presentes no pensamento dos homens.

Assim, todos têm seus direitos, as crianças, os velhos, os homossexuais, as mulheres, pobres e miseráveis e mais recentemente os desempregados, vítimas da crise estrutural da sociedade capitalista. Finalmente, compreender o significado do que é ser cidadão, na atualidade, é compreender as transformações sociais e econômicas do nosso século. Quanto mais a crise adentra a escola, mais ela clama pela valorização do cidadão, cujo papel atual consiste em preservar as relações existentes.


REFERÊNCIAS

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