REFLEXÕES SOBRE O SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO: A ESCOLA PÚBLICA EM QUESTÃO

Maria Valdeny Ferreira Gomes
João Carlos da Silva


Introdução

A questão do sistema de ensino foi recolocada novamente em pauta quando da Conferencia Nacional de educação (CONAE/2010), realizada de 28 de março a 01 de abril de 2010, em Brasília, espaço em que se tematizou a educação escolar, envolvendo a Educação Infantil à Pós Graduação. Tendo como tema central “Construindo o Sistema Nacional Articulado de Educação: o plano nacional de educação, diretrizes e estratégias de ação, foi um momento em que se procurou definir novos rumos para educação brasileira.
A educação brasileira sempre se apresenta como um grande desafio para aqueles que estão envolvidos direto ou indiretamente nela. O atual quadro em que se apresenta, nos faz remeter ao longo processo histórico dessa política social. Entendemos a educação como parte das políticas que compõem o Estado Brasileiro, sendo assim atrelada às demais políticas, principalmente às de ordem econômica.
Segundo Gracindo (1998) a produção de pesquisas sobre sistema de ensino no Brasil, ainda carece de análises principalmente numa perspectiva histórica de determinados períodos da educação brasileira as pesquisas nesta categoria apresentam características muito específicas. O autor atribui certo esvaziamento e desinteresse dos pesquisadores pelo tema, em decorrência do crescente interesse pelos temas relacionados ao cotidiano escolar.
Das pesquisas realizadas nesse tema, segundo a autora, somente três referiam-se à história das organizações educacionais “Uma sobre a origem da escola brasileira; outra focalizando a instituição educacional pública no Estado do Rio Grande do Sul; e uma terceira analisa a transposição da idéia de “escola do proletariado” no Brasil” (GRACINDO, 1998, p. 13). Assim, com a intenção de pesquisar sobre a expansão da escola pública poderemos contribuir para a história da educação Brasileira no contexto do sistema de ensino.
As experiências mostram que o município ganha autonomia na gestão da educação com a criação do sistema próprio, mas como isso se desdobraria para além da adequação das decisões às suas necessidades e características? É mister a agilidade nos processos como os de autorização de funcionamento e credenciamento de seus estabelecimentos de ensino?
Os municípios da Região Oeste do Paraná, com exceção de Toledo, ainda não organizaram os Sistemas de Ensino Próprios e, portanto, se integram ao Sistema Estadual, ficando as escolas municipais sujeitas ás normas desse sistema, ou seja, dependendo de autorização para funcionamento, assim como supervisão e avaliação do órgão estadual competente.
O objetivo deste artigo é discutir, a partir de um olhar histórico, a organização do sistema municipal de ensino, articulando ao contexto social e político, na tentativa de compreender as diferentes dimensões que envolvem a organização da educação, considerando os aspectos legais que se referem às discussões acerca do Sistema Nacional de Educação.
Desde o início de nossa trajetória como educadora, houve uma tentativa de compreender a educação de uma forma mais ampla. Apesar de atuar num contexto micro, percebia-se a necessidade de um olhar mais além, numa perspectiva de que “conquistando” uma autonomia poder-se-ia garantir a realização das demandas educacionais que surgiam no cotidiano da escola pública.
Essa é uma preocupação que exige um olhar amplo de investigação, como propõe Alves: “A investigação da educação e da escola exige um olhar dos estudiosos comprometidos com a perspectiva do trabalho. Esse olhar, mesmo não sendo novo, a rigor, tem sido pouco usual [...] não se trata de um caminho alternativo [...] trata-se de correção de rumo” (2006, p. 7).

Elementos históricos sobre o sistema de ensino
A instituição escolar não existiu sempre, sua natureza e importância variaram no tempo, dependendo das necessidades socioeconômicas do momento. No Brasil Colônia, prevaleceu a educação humanista e elitista dos jesuítas. Tal como se organizava o sistema colonial, não havia a necessidade de oferecer uma formação especial para os escravos, índios ou negros trabalharem na lavoura. Os jesuítas fundam inúmeras “escolas de ler e escrever”, que é o início do processo de criação de escolas elementares, secundárias, seminários e missões.
Durante duzentos anos (1549-1759), os jesuítas promovem uma ação maciça na catequização dos índios, educação dos filhos dos colonos, formação de novos sacerdotes e da elite intelectual, além do controle da fé e da moral dos habitantes da nova terra. Com a expulsão dos jesuítas do Brasil, em 1759, o Marquês de Pombal inicia a organização do ensino público, leigo e universal, de acordo com as preocupações típicas do Iluminismo (HILSDORF, 2003).
Com a vinda da Família Real (1808), a ênfase recai na criação de escolas de nível superior, relegando-se os demais níveis. Permanece a visão aristocrática do ensino, ficando a única alteração por conta de uma pequena diversificação quanto à clientela que busca a escolarização decorrente do aparecimento da pequena burguesia, residente nas cidades e ocupada com o pequeno comércio e a burocracia. Esse novo segmento aspira adquirir status e deseja a educação dada à elite, desprezando qualquer formação que lembre a classe menos favorecida.
Este quadro permaneceu inalterado, pois o regime de escravidão, e o modelo econômico continuam sendo o agrário-exportador. Existe apenas um ensino profissional - ministrado nas escolas agrícolas e escolas de artífices - destinadas a crianças órfãs ou abandonadas. A preferência continua sendo pelos cursos superiores, de caráter elitista e aristocrático e acessível apenas aos nobres, aos proprietários de terras e a uma camada intermediária que procura, sobretudo, os cursos de direito com o objetivo de ocupar funções administrativas e políticas.
Com a Proclamação da República (1889), o positivismo intensificou a luta pela escola pública, leiga e gratuita e pelo ensino das ciências. Com a crescente industrialização e urbanização, forma-se uma nova burguesia, que exige o acesso à educação. A partir dos anos 30 a escola viveu momento de adequação as exigências da produção industrial. Foi no processo de transição da sociedade oligárquica para urbano-industrial, que se redefiniu as estruturas de poder, com mudanças substantivas no campo educacional (RIBEIRO, 2002).
A passagem pela escola devia ser um ritual no qual os cuidados com o corpo, a disciplina e a higiene deveriam ser os componentes fundamentais no processo de criação de uma nova cultura escolar até então inexistente. Neste prisma, a educação escolar torna-se sinônimo de disciplina do hábito, ou seja, o desafio estava em implementar uma pedagogia higiênica voltada à formação do futuro operário.
Schelbauer (1998) ao discutir o debate sobre a educação das classes populares no Brasil na virada do século XIX para o século XX, considera que

Elucidar os propósitos da campanha universal pela democratização do ensino levados a efeito pelos países desenvolvidos, concomitamente, ao processo de reorganização do capital em fins do século XIX e início do século XX, que culminou com a intervenção do Estado na criação da escola primária de ensino obrigatório para as classes populares e na conseqüente organização dos Sistemas Nacionais de Educação (SCHELBAUER, 1998, p. 1).

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932, no contexto da urbanização e da modernização do Brasil representou um marco na educação brasileira ao eleger a escola pública laica, gratuita como responsabilidade do Estado, servindo muitas vezes de modelo a ser seguindo pelas ações educativas, abrindo uma nova na história das idéias pedagógicas no Brasil.
O Manifesto dos Pioneiros apresentava como grande desafio, a construção de um Sistema Nacional de Educação, articulado e organizado como instrumento de constituição de um Brasil moderno

A organização da educação brasileira unitária sobre a base e os princípios do Estado, no espírito da verdadeira comunidade popular e no cuidado da unidade nacional, não implica um centralismo estéril e odioso, ao qual se opõem as condições geográficas do país e a necessidade de adaptação crescente da escola aos interesses e às exigências regionais. Unidade não significa uniformidade. A unidade pressupõe multiplicidade. Por menos que pareça, à primeira vista, não é, pois, na centralização, mas na aplicação da doutrina federativa e descentralizadora, que teremos de buscar o meio de levar a cabo, em toda a República, uma obra metódica e coordenada, de acordo com um plano comum, de completa eficiência, tanto em intensidade como em extensão (AZEVEDO, 1958).

Conhecido como primeira manifestação pública de educadores e intelectuais brasileiros oriundos de diferentes áreas. O Manifesto inspirou o debate sobre a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, na formulação de capítulos sobre a Educação nas Constituições futuras, como na organização daquilo que conhecemos como Sistema Nacional de Ensino no sentido da universalização da escola fundamental. Foi documento importante no sentido de colocar a educação, em particular escola pública, como instrumento de democratização da sociedade brasileira (SILVA, 2008).
Criado o Ministério da Educação e Saúde, em 1930, criou-se o sistema nacional de ensino, até então inexistente. A Constituição de 1934 foi a primeira a estabelecer a necessidade de elaboração de um Plano Nacional de Educação que coordenasse e supervisionasse as atividades de ensino em todos os níveis.
O então Ministro da Educação Gustavo Capanema, entre os anos de 1942 e 1946, empreende reformas das denominadas Leis Orgânicas do ensino e o aparelhamento do sistema de ensino as demandas do mundo da produção. Não há alterações significativas na estrutura do ensino; apenas o ensino secundário está menos enciclopédico, havendo uma redução do número de disciplinas, enquanto o ensino técnico continua a não merecer atenção especial, quer seja no setor industrial, comercial ou agrícola. Após o golpe militar de 1964, são impostas as Leis 5.540/68 e 5.692/71 por militares e tecnocratas, sem a participação da sociedade civil (RIBEIRO, 2002).
A tendência tecnicista em educação tem como objetivo adequar a educação às exigências da sociedade industrial e tecnológica, com economia de tempo, esforços e custos. Os pressupostos teóricos podem ser encontrados na filosofia positivista e na psicologia behaviorista, que valorizam a ciência como forma de conhecimento objetivo, passível de verificação por meio da observação e da experimentação. O ensino tecnicista buscou a mudança do comportamento do aluno mediante treinamento, a fim de desenvolver suas habilidades. A educação tecnicista encontra-se imbuída dos ideais de racionalidade, organização, objetividade e eficiência, sendo o professor um técnico que transmite um conhecimento técnico e objetivo.
Para Saviani, sistema
[...] é o conjunto de instituições de educação escolar – públicas e privadas, de diferentes níveis e modalidades de educação e de ensino – e de órgãos educacionais – administrativos e normativos – elementos distintos, mas interdependentes, que interagem entre si com unidade, alicerçada em fins e valores comuns, e garantida por normas elaboradas pelo órgão competente, visando o desenvolvimento do processo educativo, e em constante interação com o meio em que se inserem (SAVIANI, 1998, p. 13).

Esse tema ao ser colocado em pauta da CONAE 2010 , sinaliza que o assunto além de não ser esgotado nas discussões, continua sendo um grande desafio da educação brasileira. Como afirma Saviani,
[...] o contexto histórico em que se deu a emergência dos sistemas nacionais de ensino, o que ensejou a generalização do uso do termo sistema na educação, emprestando-lhe o caráter de uma espécie de termo primitivo não carecendo, pois, de definição. Nessa acepção difusa o termo sistema se revela polissêmico, prenhe de ambigüidades e imprecisões. (...) frequentemente, o termo “sistema” se aplica não ao sistema propriamente dito, mas às suas partes constitutivas. Daí expressões como “sistema de ensino fundamental”, “sistema de ensino médio”, “sistema de ensino profissional”, “sistema de educação básica”, “sistema de ensino superior”, “sistema escolar”, “sistema estadual de ensino”, “sistema municipal de ensino”, “sistema federal de ensino”, “sistema de ensino comercial (industrial, agrícola)”, etc. como se fossem coisas diferentes quando, na verdade, são apenas partes do mesmo sistema educacional em seu conjunto (SAVIANI, 2010, p. 1).

Nessa trajetória histórica é relevante a analisarmos seus desdobramentos e conseqüências na expansão da escola pública primária, para problematizar os sistemas municipais dentro desse contexto nacional.
Nesse sentido, recorremos a Saviani ao afirmar que,
A razão principal da importância do problema levantado está exatamente nas conseqüências que o seu esclarecimento provocará na atividade educacional. Na verdade, embora não se tenha uma resposta clara à pergunta “Existe ou não existe sistema educacional no Brasil?”, o fato é que se ache sempre como se realmente ele existisse; e mais se age como se esse suposto sistema estivesse adequado e funcionando satisfatoriamente (SAVIANI, 2008, p. 5).

A necessidade de se analisar sobre A organização do Sistema Municipal de Educação torna-se necessário, tendo em vista a LDB, 9394/96, ao tornar o município responsável por baixar normas complementares às nacionais e autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentos de ensino do seu sistema.
Alves (2006), que no estudo sobre a escola pública, discutiu sobre a necessidade de se conferir a historicidade e análise para apreender o desenvolvimento desta instituição, destacando as categorias do trabalho historicidade e totalidade, pois segundo ele,
[...] permitir a explicitação de aspectos importantes do tratamento teórico-metodológico dado ao objeto (...) buscar a compreensão da sociedade capitalista [...] e as origens da escola burguesa [...] procurando destacar os determinantes e as principais características e dificuldades que marcaram as primeiras iniciativas voltadas para sua expansão (p. 11-12).

Aprofundando os estudos percebemos que seria pertinente ampliar o leque de leituras e voltar-se aos aspectos históricos para compreender a princípio o conceito de sistema. É nesse cenário que atualmente vem à tona a discussão sobre o sistema de ensino e seus desdobramentos no contexto da expansão da escola pública.

Aspectos legais do Sistema de Ensino
Com a Constituição Federal de 1988 surge “a idéia de um plano nacional em longo prazo, com força de lei, capaz de conferir estabilidade às iniciativas governamentais na área da educação ”. A LDB 9394/96, dispõe no Título IV sobre a “Organização da Educação Nacional”, em que traça sobre incumbências da União, dos Estados e Distrito Federal e dos Municípios, em relação aos seus respectivos sistemas de ensino, bem como define os princípios e normas de cada sistema de acordo com suas peculiaridades. No art. 8.º, cita que “os sistemas terão liberdade de organização nos termos” da Lei.
No Art. 9.º define a incumbência da União:

elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os Estados, Distrito Federal e os Municípios, assim como organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais do sistema federal e dos territórios; prestar assistência técnica aos Estados, ao DF e aos municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória, exercendo sua função redistritiva e supletiva; estabelecer (...) competências e diretrizes para a educação infantil, ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum (BRASIL, 1996).

O Art. 10 define as incumbências dos Estados:
organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, definir com os municípios, formas de colaboração na oferta do ensino fundamental (...); elaborar e executar políticas e planos educacionais, em concordância com as diretrizes e planos nacionais de educação [...]; autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, [...]os estabelecimentos do seu sistema de ensino; baixar normas complementares para seu sistema de ensino e assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio”.

No Art. 11, define as incumbências dos municípios:
organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, integrando-se às políticas e planos educacionais da União e dos Estados; [...] oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência.

No parágrafo único desse artigo, trata acerca da opção que o município tem que “integrar-se ao sistema estadual de ensino ou compor com ele um sistema único de educação básica”. Quanto ao sistema municipal, ele compreende as seguintes instituições: as do ensino fundamental, médio e de educação infantil mantidas pelo Poder Público Municipal; as de educação infantil, criadas e mantidas pela iniciativa privada e os órgãos municipais de educação. Essas instituições, nos diferentes níveis, classificam-se nas seguintes categorias: públicas (criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público) e privadas (mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado).
A construção de um Sistema Nacional de Educação, articulando os sistemas municipais, estaduais, distrital e federal de ensino, deve considerar as metas do Plano Nacional de Educação (Lei 10.172/2001) e os princípios explícitos no Art. 206 da Constituição Federal, que estabelece:

Art. 206 - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II. liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV. gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V. valorização dos/das profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade; VIII - piso salarial profissional nacional para os/as profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.

A LDB também determina nos artigos 9º e 87, que cabe à União, a elaboração do Plano, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, assim como institui a Década da Educação. Estabelece ainda, que a União encaminhe-o ao Congresso Nacional, com diretrizes e metas para os dez anos posteriores, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos.
Em 10 de fevereiro de 1998, o Deputado Ivan Valente apresentou no Plenário da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 4.155 de 1998 que “aprova o Plano Nacional de Educação”. Em 11 de fevereiro de 1998, o Poder Executivo enviou ao Congresso a mensagem 180/98, relativa ao projeto de lei que instituiu o Plano Nacional de Educação. Iniciou a tramitação como Projeto de Lei n.º 4.173, de 1998. Teve como eixos norteadores, do ponto de vista legal, a Constituição Federal de 1988, a LDB 9394/96 e a Emenda Constitucional n.º 14 de 1995.
Considerou-se ainda o Plano decenal de Educação para Todos, elaborado de acordo com as recomendações da reunião organizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990. Várias entidades foram consultadas pelo MEC, destacando-se o Conselho Nacional de Secretários de Educação – CONSED e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação – UNDIME.
O Plano define as diretrizes para a gestão e o financiamento da educação, as diretrizes e metas para cada nível e modalidade de ensino, para a formação do magistério e demais profissionais da educação. Os Estados e Municípios devem elaborar seus planos, tendo como base o PNE, com adequação às especificidades locais e definir estratégias adequadas. Ainda de acordo com a LDB 9394/96, em seu Art. 11, município tem outras duas alternativas: integrar-se ao Sistema Estadual ou organizar um Sistema Único de Educação Básica.
Sabendo que o município torna-se responsável pela normatização da sua educação escolar que integra seu sistema, questiona-se como ocorreu esse processo histórico? E como isso ficou estabelecido na LDB 4024/61? Período inicial da expansão da escola publica no Brasil? Observamos o Título V que aborda sobre os sistemas:

Art. 11. A União, os Estados e o Distrito Federal organizarão os seus sistemas de ensino, com observância da presente lei.
Art. 12. Os sistemas de ensino atenderão à variedade dos cursos, à flexibilidade dos currículos e à articulação dos diversos graus e ramos.
Art. 13. A União organizará o ensino público dos territórios e estenderá a ação federal supletiva a todos o país, nos estritos limites das deficiências locais.
[...]
Art. 16. É da competência dos Estados e do Distrito Federal autorizar o funcionamento dos estabelecimentos de ensino primário e médio não pertencentes à União, bem como reconhecê-los e inspecioná-los.
§ 1º São condições para o reconhecimento:
a) idoneidade moral e profissional do diretor e do corpo docente;
b) instalações satisfatórias;
c) escrituração escolar e arquivo que assegurem a verificação da identidade de cada aluno, e da regularidade e autenticidade de sua vida escolar;
d) garantia de remuneração condigna aos professôres;
e) observância dos demais preceitos desta lei.
§ 2º Vetado.
§ 3º As normas para observância dêste artigo e parágrafos serão fixadas pelo Conselho Estadual de Educação. (BRASIL, 1961)

Para dar continuidade nessa discussão, é mister analisar como o sistema de ensino se desdobrou na Lei 5692/71, em que cita sobre os sistemas de ensino no que se refere à organização do ensino primário, no Capítulo VIII, das Disposições Transitórias:

Art. 71 Os Conselhos Estaduais de Educação poderão delegar parte de suas atribuições a Conselhos de Educação que se organizem nos Municípios onde haja condições para tanto.
Art. 72 A implantação do regime instituído na presente lei far-se-á progressivamente, segundo as peculiaridades, possibilidades e legislação de cada sistema de ensino, com observância do Plano Estadual de Implantação que deverá seguir-se a um planejamento prévio elaborado para fixar as linhas gerais daquele, e disciplinar o que deva ter execução imediata.
Parágrafo único. O planejamento prévio e o Plano Estadual de Implantação, referidos neste artigo, deverão ser elaborados pelos órgãos próprios do respectivo sistema de ensino, dentro de 60 dias o primeiro e 210 o segundo, a partir da vigência desta lei.
Art. 73 O Ministro da Educação e Cultura, ouvido o Conselho Federal de Educação, decidirá das questões suscitadas pela transição do regime anterior, para o que se institui na presente lei, baixando os atos que a tanto se façam necessários.
Art. 74 Ficam integrados nos respectivos sistemas estaduais os estabelecimentos particulares de ensino médio até agora vinculados ao sistema federal.
Art. 75 Na implantação do regime instituído pela presente lei, observar-se-ão as seguintes prescrições em relação a estabelecimentos oficiais e particulares de 1º grau: I - as atuais escolas primárias deverão instituir, progressivamente, as séries que lhes faltam para alcançar o ensino completo de 1º grau.
II - os atuais estabelecimentos que mantenham ensino ginasial poderão continuar a ministrar apenas as séries que lhes correspondem, redefinidas quanto à ordenação e à composição curricular, até que alcancem as oito da escola completa de 1º grau. III - os novos estabelecimentos deverão, para fins de autorização, indicar nos planos respectivos à forma pela qual pretendem desenvolver, imediata ou progressivamente, o ensino completo de 1º grau (BRASIL, 1971).

Um dos elementos que abrangem o sistema de ensino é a municipalização, entender os movimentos de centralização e descentralização do ensino no Brasil, é necessário conhecer os limites e possibilidades da legislação e normas educacionais vigentes, pois “não se apropriar das leis é, de certo modo, uma renúncia à autonomia e um dos atos constitutivos da cidadania” (Cury, 2000).
A partir da legislação citada anteriormente, sinalizou-se as mudanças substanciais, nas responsabilidades dos entes federados, quanto à manutenção e ao desenvolvimento do ensino em seus diferentes níveis.
Essa situação provocou a discussão em relação aos determinantes da municipalização e de suas vantagens e desvantagens para o município, desencadeando um debate do desvelamento de seus determinantes, bem como a análise das conseqüências para a escola pública. A “descentralização do ensino” é um fenômeno que vem ocorrendo nos últimos anos em que quase todos os países latino-americanos, recomendada por organismos internacionais, como as Nações Unidas, o Banco Mundial e OEA.
No Brasil, esta modalidade compreende três possibilidades do Município: ele se encarrega de todo o ensino, em um ou mais níveis, no âmbito de sua jurisdição; de parte das matrículas, convivendo com a rede estadual ou de determinados programas (merenda escolar, transporte dos alunos, construções escolares, funcionários...) desenvolvidos juntos à rede estadual. Isso pode se dar por intermédio de convênios, por iniciativa do próprio Município, conforme a legislação vigente.
A LDB 9394/96 e demais leis gestadas e promulgadas nesse contexto, mudaram o ensino brasileiro, direcionando sua oferta, financiamento, gestão e interferindo na escola pública. Portanto, essa legislação induz a municipalização, mas não basta para garantir condições de gerir, com sucesso, um sistema e ensino.
Nesse processo, o desafio será entender como organizar a educação dita como pública, sendo esta estritamente “estatal”? Servindo às políticas do estado e este como defensor jurídico da classe que detém o capital? Considerando seus limites históricos?

Considerações finais
A gênese dessas reflexões iniciais é a tão problematizada “melhoria da educação brasileira” (grifo nosso). Nessa discussão estamos sempre voltando aos discursos históricos da expansão da escola pública brasileira. Que tem sido alvo de discursos retóricos oficiais do Estado, centrando-se tão somente na criação de escolas e no aumento das salas de aula, sem uma discussão das condições de objetivação.
Como educadores clamamos por uma escola pública, universal, gratuita e de boa qualidade, sem cair no erro de reivindicações repetidas que reforçam e legitimam as políticas oficiais, sem nos sentir vítimas e superando a reprodução de práticas da velha escola manufatureira. Apesar de um sistema de ensino antagônico com nossas concepções sociais, a escola é campo de luta e é no embate das forças políticas, na contradição resultante dessas, que podemos analisar e problematizar as propostas vigentes.
Se a responsabilidade entre Estado e os educadores é repartida, de forma a preservar o anacronismo da escola pública, então todos são responsáveis pela situação atual da mesma. Partindo desse reconhecimento, a escola que está aí, não está dotada de condições suficientes para suprir todas as necessidades do desenvolvimento de crianças e de jovens.
Devemos destruir o sistema de ensino que está aí? Entendemos que, ousar nessa discussão, que já perdura há muito tempo na história da educação brasileira, seguiremos problematizando a escola pública dentro de um contexto do Sistema de Ensino Nacional. A história tem demonstrado que dentro do modo de produção capitalista, a educação jamais desempenhou o papel principal, mas sempre esteve subordinada ao movimento histórico geralmente determinado pelas relações econômicas e políticas.
Neste sentido as teorias educacionais sempre estiveram submetidas e articuladas com o processo de desenvolvimento das relações sociais. Aliás, à educação tem sido atribuída cada vez menos importância no bojo das políticas gerais da sociedade contemporânea, como podemos constatar na política neoliberal, ainda vigente.
Os debates e os resultados produzidos durante a realização do CONAE, sistematizaram avanços importante, sobretudo em relação a valorização da escola pública. Entretanto, sua efetivação para todos e de qualidade, ideário defendido desde os Pioneiros, não deve ficar somente no plano do discurso político-ideológico, mas deve ser um projeto que supere na prática os limites da ordem burguesa.



REFERENCIAS

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